Cachorros sempre foram meu sonho de consumo quando criança pois, até os meus 15 anos, minha mãe nunca permitiu a entrada de bichos em casa.

Dizer que cachorros representam companheirismo, alegria, cuidados, fidelidade e etc, é muito lugar-comum, mas não há muito que improvisar nessas definições…
Posso acrescentar que um cachorro significa também saudade, lágrimas, angústia, nostalgia e muita, mas muita saudade, e que os meus todos viraram estrelas. Muitas vezes olho para o céu à procura deles (e de alguns dos meus mortos humanos mais queridos) e os acho nas estrelas bonitas que vejo por lá…
Cachorro representa a mortalidade e a transcendência dar dor para o sorriso, que a gente só consegue entender quando a dor e a revolta passam e a gente substitui as lágrimas pelas lembranças mais gostosas, mais marcantes ou engraçadas e percebe que existem coisas que não morrem nunca: só renascem dentro da gente de outra forma.
Não sou uma pessoa religiosa e acho que a falta de fé às vezes me atrapalha, pois quem tem fé nunca se sente só.
Se dependesse de mim naturalmente, meus filhos seguiriam essa linha, que herdei do meu pai, mesmo tendo uma mãe com uma força e uma fé enormes…
Mas para compensar esse meu defeito de fabricação, meus filhos estudam em colégio religioso. Com e pelos meus filhos aprendi a rezar com eles, mas de um jeito diferente, já que seria impossível para mim, de uma hora para outra, virar a pessoa religiosa que nunca fui.
Sempre acreditei na natureza e minha “reza” parece mais um tributo indígena, do que propriamente aquilo que se convencionou a ser uma oração. Respeito a energia do sol, da lua, da terra, das estrelas, da água e do ar.
Desde pequena, fugia das aulas de religião na escola. Uma pessoa conhecida sempre ficava indignada com a história que denominou de “minha degustação de hóstia”: quando a professora de religião da minha escola fez os alunos provarem a hóstia para saber como era. Desnecessário dizer que foi a única vez que fiz isso. Sempre achei que fritinha ela seria muito mais saborosa e interessante…
Meus filhos estão crescendo e começando a passar pela fase das perdas e das perguntas sobre a morte…
Meu filho, então com 05 anos teve comigo esse diálogo:
– Mamãe, o que acontece quando a gente morre? O corpo fica debaixo da terra?
– Sim, mas a alma sai e voa…
– Para onde ela vai?
– Vai conversar com Papai do céu…
– E o que ela vai conversar com ele?
– Cada alma tem a sua conversa com Papai do céu…
– Ah tá… regras de morrer são regras de morrer, não é, mamãe?
Já a minha filha, então com 04 anos, teve um dia uma crise de choro pelo cachorrinho do tio, que havia morrido dois meses atrás…
– Mamãe, eu acho que o Blommie está vivo no meu coração! Sempre que eu pensar nele, ele vem?
Essas perguntas me deixam apreensiva porque não sei lidar bem com a morte. Gostaria de passar para eles uma tranqüilidade que não tenho com relação a isso e é muito difícil…
– Mamãe, quando você morrer com quem eu e a Mana vamos ficar?
– Com seu pai, querido…
– E se o papai morrer?
– Com o vovô e a vovó (meus pais)…
– E se eles morrerem?
– Com seu outro avô e com a sua outra avó…
– E se eles morrerem?
– Com seu tio (meu irmão), sua tia e seu primo…
– E se eles morrerem?
– Com seu outro tio e sua tia…
– E se eles morrerem?
– Chega, não é, querido? Não vai morrer todo mundo assim…
xxxx
– Mana! Mana!! A mamãe disse que quando ela morrer, a gente vai morar com o vovô e a vovó!!! Oba!!!
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