Postagens de julho, 2011


Esta entrevista é uma cópia revisada da realizada no Linhas de Baixo na comunidade do Orkut, “Mulheres no contrabaixo”, em abril de 2009, e suas perguntas foram elaboradas por membros da comunidade.
Nesta entrevista, o grande e talentosíssimo contrabaixista brasileiro Antonio Arzolla discorre sobre métodos e livros contrabaixísticos, repertório, ensino, técnica, entre muitas outras coisas, e nos deixa com um gostinho de quero bis. Bravo, Arzolla!
“Colegas dos graves bem formados e bem-informados,
Este é o tópico do “Linhas de Baixo” (entrevistas) da ‘Mulheres no contrabaixo’, que contará com a participação do grande contrabaixista ANTONIO ARZOLLA.
Antonio Arzolla: Mini-release
Nasceu em Piracicaba – SP, onde começou a estudar contrabaixo com o professor Sandor Molnar Jr.
Transferindo-se para o Rio de Janeiro, graduou-se em contrabaixo pela Universidade Federal do RJ, sob orientação do professor Sandrino Santoro.
É mestre em práticas interpretativas pela Uni-Rio, onde leciona contrabaixo desde 1988.
Frequentou masterclasses de contrabaixistas de renome mundial. Foi solista de orquestras como a Orquestra Sinfônica Brasileira e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do RJ, da qual é contrabaixista desde 1990.
Foi vencedor de vários concursos, como o Jovens Concertistas Brasileiros de 1989. Foi contrabaixista de Orquestra Sinfônica Brasileira e atuou como contrabaixista convidado de diversas orquestras.
Como recitalista, estreou várias obras de compositores brasileiros. Como camerista, atuou com os principais conjuntos do Rio de Janeiro e com vários músicos estrangeiros.
Lecionou em masterclasses e cursos de férias como os de Curitiba e o Internacioanl de Verão da Escola de Música de Brasília.
É membro da International Society of Bassists, tendo sido recitalista em uma de suas convenções, na Iowa University, EUA.
Participou das comemorações do ano do Brasil na França, em turnê com a orquestra Arco Brasil.
Recentemente, tocou em Portugal, acompanhando o coro Calíope.
Voila Marques
Nossas boas-vindas…
Seja-bem vindíssimo à ‘Mulheres no contrabaixo’, Arzolla!
Gostaríamos de agradecer a você por ter aceitado o nosso convite para participar do “Linhas de Baixo”, e também de dizer que é uma imensa honra podermos tê-lo aqui com a sua talentosíssima presença nas nossas páginas contrabaixísticas para essa, certamente, interessante entrevista contrabaixística do mês de maio/2009, mês em que também contaremos com a talentosíssima presença do contrabaixista Oswaldo Amorim entre nós!
Abraços contrabaixísticos
Antonio Arzolla
Voila, obrigado pela oportunidade e parabéns pelo excelente trabalho que você realiza aqui em prol da comunidade contrabaixística. Espero que as respostas possam ser úteis!
Saudações contrabaixísticas
Voila Marques
Arzolla, eu é que agradeço a sua presença aqui conosco!
Fico feliz com suas palavras e, vindas de você, fico quase convencida!
Como contrabaixista você é famoso, mas muita gente vai se surpreender com o seu talento e sua eficiência para escrever…
Boas respostas!.
Obrigada e beijocas contrabaixísticas
Ronnie Oliveira
Olá, mestre Antonio Arzolla!
Gostaria de saber:
Onde você toca recentemente?
Com quem você teve aula?
Qual foi o seu primeiro contrabaixo?
Você já estudou na Europa? Se estudou, com quem?
Conte uma experiencia de ter estudado lá.
Arco: como você gosta? Um arco mais pesado ou leve?
Conte uma história engraçada da sua vida como contrabaixsta!
E, para finalizar essa bateria de perguntas, dê alguns conselhos para quem está começando.
Abraços, mestre Arzolla.
Antonio Arzolla
Oi, Ronnie!
Atualmente, eu toco na orquestra do Teatro Municipal, na Camerata Quantz (conjunto de música antiga da UniRio), na Orquestra Bachiana Brasileira e faço bicos em outros conjuntos de câmara.
Estudei contrabaixo só no Brasil, com dois professores: Sandor Molnar Jr, em Piracicaba, e Sandrino Santoro, aqui no Rio.
Conheci grandes artistas estrangeiros, como Wolfgang Guttler, Ed Barker, Petracchi, Gary Karr, Hans Roelofsen, Eugene Levinson, Jeff Bradetich, Massimo
Giorgi, que me acrescentaram muito conhecimento e influenciaram no meu jeito de tocar.
Eu gosto de arco pesado para orquestra, médio para música de câmara e mais leve para solo.
Na orquestra gosto que o arco agarre bem, e defina bastante o som, já para solo espero mais resssonância e flexibilidade da vareta.
Geralmente, as histórias engraçadas do contrabaixo se referem ao seu transporte. Uma vez peguei um ônibus leito de Curitiba para cá e quase não consegui embarcar, porque no bagageiro tinha tantas malas que o contrabaixo teve que ficar por cima delas todas.
Outro episódio foi quando fui dar um curso em Domingos Martins (ES) e tive que percorrer as ruas da pequena cidade com o contrabaixo dentro do case (sarcófago) e outras pessoas ajudando. O povo parava para ver o “cortejo fúnebre”. Para quem vê, é engraçado, mas para o contrabaixista é meio trágico.
Imagine por exemplo, você tentar subir no ônibus com o baixo e ele não passar pela portinha que separa o motorista dos passageiros. Ou então, a atendente no aeroporto dizendo que o baixo não pode embarcar.
Hoje em dia, está acontecendo muito isso.
Meu primeiro instrumento era um argentino com tampo de abeto e o resto de compensado. Não soava muito bem, não.
Para quem está começando, aconselho a procurar um bom professor, ter muita calma e perseverança para enfrentar um longo período de estudos antes de colher os resultados.
Um abraço e boa sorte!
Lucas Oliveira
Olá, Arzolla!
Gostaria que você falasse sobre sua experiência como professor da Uni-Rio.
Quais são as suas exigências para o vestibular e qual o repertório cobrado?
Muito obrigado e abraço.
Antonio Arzolla
Oi, Lucas!
Estou na Uni-Rio há vinte anos (o tempo passa e a gente nem percebe…).
No início, havia só uns poucos alunos do curso técnico e de instrumento complementar.
Lá você pode fazer 4 semestres dessa última matéria. Então o que acontecia muitas vezes, era que o aluno fazia os quatro semestres e parava.
Outros alunos interessados na música popular costumavam fazer até menos que 4 semestres, achando que o que tinham aprendido era suficiente para sair tocando.
Então, poucos alunos passavam para o bacharelado nessa época.
Quando fecharam o curso técnico, passei a ministrar cursos de extensão: um para iniciantes e outro para alunos que já tinham se formado.
Neste último curso pude trabalhar com alunos de nível elevado, o que me deu bastante satisfação por estar trabalhando interpretação do repertório, coisa de que gosto muito.
No bacharelado, tive muitos alunos divididos entre o clássico e o popular. Alguns se formaram e ficaram só no popular mesmo, e são hoje instrumentistas requisitados nessa área.
Nos últimos anos passei a ter mais alunos de bacharelado e alguns voltados exclusivamente para o clássico.
Cheguei a ter 7 alunos só no bacharelado e, por alguns semestres, também dei aula de música de câmara focando conjuntos de contrabaixo, de quartetos a sextetos.
Quanto à didática, aprendi muito vendo o professor Sandrino dar aula, quando ainda estudava com ele.
O meu enfoque técnico é quase que totalmente baseado no que aprendi com ele. Mas desenvolvi um método meu para iniciantes, embora hoje em dia raramente ensine iniciantes.
Acho que o meu forte como professor está na área da interpretação musical.
Para entrar no bacharelado da Uni-Rio, o candidato tem que tocar o primeiro movimento do concerto de Dragonetti (o mais famoso, atribuído incorretamente a ele) ou o primeiro movimento do concerto de Dittersdorf em Mi Maior, com a
cadência de Gruber.
Além disso, peço escalas em três oitavas e um estudo de Carlo Montanari do nº 9 ao 14.
Um abraço
Thiago Correia
Bem, Arzolla, venho aqui te fazer perguntas sobre a pedagogia do contrabaixo:
1. O que você fez e tem feito para ensinar contrabaixo a crianças ou pessoas que de uma certa forma sofrem em relação a altura em relação ao tamanho do instrumento, ou com jovens que ainda estão desenvolvendo a musculatura e qual o cuidado que se deve ter para não ocasionar dores crônicas?
2. Gostaria de te pedir uma bibliografia em relação à pedagogia do contrabaixo.
3. Seria possível você fazer uma abordagem a respeito de como você inicia um aluno seu: métodos, obras solo iniciantes, intermediárias e avançadas, trabalho de arcadas, estudo de escalas, entre outros?
4. E, não querendo ser chato, lá vai a última: fale a respeito do que há de atual no ensino do contrabaixo no Brasil e no mundo, novos livros/métodos, peças… e chega!
Grande abraço e obrigado à Voila e ao Arzolla!
Antonio Arzolla
Oi, Thiago.
Vou procurar responder nessa mesma ordem. Então seria:
1. As crianças podem começar com violoncelo ou com contrabaixos dos tamanhos 1/8, 1/4 ou 1/2, e os adultos pequenos podem utilizar contrabaixos tamanho 1/2.
Já existem no Brasil luthiers e fábricas produzindo instrumentos pequenos.
Para evitar dores por causa de problemas que se tornam crônicos, o professor deve fazer o aluno tocar com o máximo relaxamento possível dos membros superiores e suas partes, e cuidar da postura e do posicionamento dos membros do aluno.
Uma dica para os alunos que já enfrentam uma rotina pesada de estudos é fazer aquecimento antes de tocar e alongamentos depois de tocar.
2. Infelizmente há pouca coisa escrita sobre o contrabaixo em português, mas aí vai uma lista de livros que podem ajudar, uns mais, outros menos específicos:
Benfield, Warren – The Art of Double Bass Playing (1973)
Billé, Isaia – Gli Strumenti ad Arco ed i Loro Cultori (1928)
Brun, Paul – A History of the Double Bass (1989)
Carlin, Salvatore – Il Contrabbasso (1974)
Donington, Robert – The Interpretation of Early Music (1989)
Elgar, Raymond – Looking at the Double Bass (1967/1983)
Galamian, Ivan – Principles of Violin Playing and Teaching (1985)
Goilav, Yoan – The Double Bass, A Philosophy of Playing (2003)
Green, Barry – Advanced Techniques of Double Bass Playing (1976)
Henrique Autran Dourado – O Arco dos Instrumentos Musicais (1999)
Morton, Mark – Double Bass Technique: Concepts and Ideas (1991)
Murray Grodner – Comprehensive Catalog of Music, Books, Recordings an Videos for the Double Bass (2000)
Norton/Grove Handbooks in Music– Performance Practice, Music after 1600 (1989)
Paul Brun – A New History of the Double Bass (2000)
Portnoi, Henry – Creative Bass Technique (1978)
Stanton, David – The String Double Bass (1982)
Periódicos: Double Bassist e Bass World
3. Costumo iniciar o aluno com o método do Simandl, depois os 30 estudos do mesmo autor, e o método de escalas do Rollez 2 º volume, depois os estudos do Slama. Existem muitas peças para iniciantes, mas quero ressaltar as obras de
Ernst Mahle (As melodias da Cecília, Concertino sobre atirei um pau no gato, duetos…).
Há também as peças do Ricardo Vasconcelos, em estilo popular. Prossigo com sonatas barrocas fáceis, depois com o Concerto de Capuzzi ou o de Cimador, depois o de Pichl e por aí vai.
Transcrevo a seguir o meu programa de bacharelado para você ter uma idéia:
Estudo de escalas e arpejos até três oitavas (Rollez, Shmuklovsky, Trumpf, Levinson, Madenski).
Estudo de golpes de arco (Trumpf, Billé 2º volume, Moechel).
Estudo da técnica do capotasto (Simandl 2º volume, Petracchi, Grodner).
Estudos de mecanismo e agilidade em ordem progressiva (Slama, Montanari, Storch, Simandl – Gradus ad Parnassum).
Estudos transcendentais e de virtuosidade (Nanny, Findeisen, Mengoli, Caimmi, Caprichos de Nanny e Billé)
Peças do repertório segundo a relação em anexo.
Estudo do repertório orquestral e camerístico.
Repertório mínimo:
1 concerto clássico (Pichl, Dittersdorf, Dragonetti, Vanhal, Hoffmeister)
1 concerto romântico ou moderno (Bottesini, Koussevitzky, Hertl, Tubin, Mahle, Français, Widmer, Villani Cortes)
1 sonata barroca ou clássica (Bach, Vivaldi, Eccles, Telemann, Haendel, Sperger, Boccherini)
1 sonata romântica ou moderna (Schubert, Dillmann, Misek, Cesar Frank, Hertl, Montag)
2 estudos virtuosísticos ou caprichos (Billè, Nanny, Caimmi)
2 movimentos da suíte de Hans Fryba
2 movimentos das suítes de Bach para violoncelo
2 peças do século XX ou contemporâneas
2 peças brasileiras
4 peças românticas de salão, sendo 2 virtuosísticas
O aluno tem que tocar um mínimo de três recitais durante o curso
4. O que é atual hoje, já não será amanhã.
A técnica do contrabaixo está evoluindo muito rapidamente, e eu fico muito impressionado quando vou a alguma convenção internacional.
Para você ter uma idéia, quando eu estudei o concerto de Bottesini, pouca gente o tocava por aqui. Hoje em dia é uma peça que todo aluno de bacharelado tem que tocar.
Lá fora, há jovens tocando peças que ninguém imaginava possíveis no contrabaixo. Há muitas peças novas, como as do compositor Frank Proto, que são bastante tocadas hoje em dia.
Há também muitas transcrições de peças virtuosísticas do repertório do violino e do violoncelo. No Brasil há três concertos relativamente novos: o de Ernst Mahle, o de Villani Côrtes e o de Ernst Widmer.
Dos três prefiro o primeiro, não só porque foi dedicado a mim, mas porque é o mais bem escrito para o contrabaixo. Ele é virtuosístico sem ser muito difícil. Quanto a métodos, embora eu prefira os tradicionais, há muita gente usando os do François Rabbath, contrabaixista cuja escola tem muitos adeptos no mundo inteiro, mas, principalmente, nos Estados Unidos.
Ufa, acho que acabei esta!
Um abraço, Thiago!
Lucas Oliveira
Olá mais uma vez, Arzolla.
Gostaria que você comentasse sobre o vibrato e o capotasto.
Como você recomenda o estudo do vibrato?
Antonio Arzolla
Oi, Lucas.
O vibrato na maioria dos casos aparece espontaneamente.
Quando o aluno não consegue a flexibilidade para vibrar prontamente, ele provavelmente vai precisar de muita paciência para dominar o problema.
De qualquer forma, ele deve evitar o vibrato nervoso, espasmódico.
Quando há dificuldade, sugiro treinar devagar, contando as oscilações.
Há vários exercicíos, como por exemplo, passar de um dedo para outro sem parar o vibrato, ou treinar a independência do vibrato em relação ao arco.
Outra coisa que ajuda, é treinar na própria música, de uma forma detalhada, nota por nota e dedo por dedo.
Se o problema for amplitude, pode-se levantar o cotovelo, deixando a mão oblíqua em relação ao braço, o que aumentará a área de contato do dedo com a corda, e conseguentemente a amplitude do vibrato. Isso funciona bem com os dedos 1 e 2. Às vezes, a dificuldade persiste por anos, se o aluno não enfrentar o problema e não buscar a solução treinando diariamente.
Lembro que a posição dos dedos para o vibrato é um pouco mais deitada, de forma a atingir a corda com mais “polpa” de dedo.
Quanto ao capotasto, gosto de deixar o polegar perpendicular à corda e os outros dedos alinhados a esta, como posição de “mano ferma”.
Se for vibrar, adote uma posição oblíqua como no caso anterior referente ao vibrato.
Procure não “quebrar” os dedos, deixando-os curvos e mais ou menos em pé (de novo, isso exclui a posição de vibrato).
Ainda sobre o vibrato no capotasto, procuro deixar o polegar na corda como apoio para o dedo que estiver fazendo a oscilação, a uma distância aproximada de um tom.
É importante coseguir relaxar o braço esquerdo na posição do capotasto, tentando usar o peso do braço para pressionar a corda e não a ação muscular.
Para conseguir suportar o contato do polegar com a corda, devemos calejá-lo primeiro, evitando possíveis bolhas. Para que consigamos um calo em vez de uma bolha, temos que estudar na região do capotasto inicialmente em doses homeopáticas.
Espero que tenha sido claro…
É difícil discorrer sobre técnica de forma não presencial!
Grande abraço

Felipe Escovedo
Olá Arzolla!
Quais métodos você usa ?
Qual a importância da respiração e quais exercícios de respiração posso fazer sem o baixo?
O que devo evitar para não criar vícios no instrumento ?
O que faço com o baixo acústico que vai chegar aqui em casa dentro de 15 dias: toco ele todo dia ou espero por alguma orientação para não criar vícios?
Agradeço desde já ao Arzolla e a comunidade Mulheres no Contrabaixo, pela grande contribuição na formação de novos músicos (contrabaixistas).
Antonio Arzolla
Oi, Felipe.
Aí vão as respostas:
“Quais métodos você usa?”
Já respondi a essa pergunta.
“Qual a importância da respiração e quais exercícios de respiração posso fazer sem o baixo?”
A importância da respiração é nos manter vivos. O ideal é que a respiração não interfira na performance do instrumento.
Ela deve ser a mais tranquila possível o tempo todo, para nos deixar relaxados.
Há alunos que são muito tensos e acabam criando uma vinculação entre as inspirações e os movimentos da performance. Nesse caso, talvez seja necessário que o aluno procure alguma terapia respiratória com ioga, por exemplo.
Um exercício bom para relaxar a tensão é tentar fazer inspirações e expirações regulares e simétricas, e tão longas possível.
“O que devo evitar para não criar vícios no instrumento?”
Estudar com calma, sem atropelar seu ritmo natural, e usar um espelho para conferir se está seguindo as orientações do professor quanto à postura do corpo e ao posicionamento das mãos.
“O que faço com o baixo acústico que vai chegar aqui em casa dentro de 15 dias: toco ele todo dia ou espero por alguma orientação para não criar vícios?”
Bem, a essas alturas já deve ter chegado. Você pode brincar com o baixo, mas para estudar a sério é necessário ter a orientação de um professor semanalmente.
Abraço, Felipe.
Voila Marques
Arzolla,
Qual é a sua referência para um arco “reto”: o espelho ou o cavalete?
Você trabalha com alguma angulação específica?
Como você faz para “equilibrar” o arco? Existe algum dedo mais importante ou todos têm a mesma função?
Ao executar um fortíssimo, você costuma jogar mais o peso do corpo para algum dedo ou você o joga para a mão como um todo?
Você acha possível um contrabaixista pequeno e magro ter um sonzão? Uma boa técnica pode se sobrepor à constituição física do instrumentista?
Antonio Arzolla
Oi, Voila!
Transcrevo suas perguntas e respondo:
“Qual é a sua referência para um arco “reto”: o espelho ou o cavalete?”
Penso no arco perpendicular à corda.
“Você trabalha com alguma angulação específica?”
É importante o aluno saber que na mudança de corda a mão tem que se ajustar para o arco continuar perpendicular.
Há alunos que não conseguem deixar o arco perpendicular à 1ª corda, mas peço para esticarem o máximo possível o braço.
“Como você faz para “equilibrar” o arco? Existe algum dedo mais importante ou todos têm a mesma função?”
Como não uso muita pronação, os dedos têm quase a mesma importância, mas não necessariamente a mesma função.
Na mudança de corda, por exemplo, o mindinho e o anelar (ou anular?) se flexionam mais.
“Ao executar um fortíssimo, você costuma jogar mais o peso do corpo para algum dedo ou você o joga para a mão como um todo?”
Para a mão toda, mas caminhando para a ponta penso mais na transmissão do peso das costas pelo braço todo.
“Você acha possível um contrabaixista pequeno e magro ter um sonzão? Uma boa técnica pode se sobrepor à constituição física do instrumentista?”
Pequeno, sim, mas magro já é mais difícil. Porém, acredito que uma boa técnica ajuda bastante.
Voila Marques
Arzolla,
Sei que vc teve uma excelente formação musical na Escola de Música de Piracicaba, instituição de referência no ensino musical do Brasil.
Qual foi a importância de uma boa formação musical no seu estudo do contrabaixo?
Você acha a formação musical prévia algo essencial ou recomendável para quem quer estudar contrabaixo?
Você já ensinou contrabaixo para pessoas sem formação musical? O que achou?
Quais as suas dicas para melhorar a afinação?
Quais contrabaixista te impressionaram nessa sua vida contrabaixística?
Obrigada e beijocas contrabaixísticas
Antonio Arzolla
Voila,
“Sei que vc teve uma excelente formação musical na Escola de Música de Piracicaba, instituição de referência no ensino musical do Brasil.
Qual foi a importância de uma boa formação musical no seu estudo do contrabaixo?”
Quando cheguei aqui para fazer a faculdade, já tinha estudado, além do contrabaixo, teoria e solfejo, harmonia, história da música e piano. Isso me ajudou bastante a entender as coisas que aprendi na faculdade.
“Você acha a formação musical prévia algo essencial ou recomendável para quem quer estudar contrabaixo?”
Para quem vai começar a estudar, é bom ter leitura fluente e percepção também (solfejo e ditado). O certo seria todo mundo pegar uma partitura e sair cantando, mas a gente sabe que na realidade tem muita gente que não consegue.
Os outros conhecimentos, como harmonia, análise e história da música são importantes num nível mais avançado.
“Você já ensinou contrabaixo para pessoas sem formação musical? O que achou?”
Em cursos de férias, às vezes pego pessoas do zero total. Ensinar o básico é fácil, mas avançar é impossível para mim.
Pode ser que outros professores consigam.
“Quais as suas dicas para melhorar a afinação?”
Quem consegue cantar afinado vai tocar afinado também, a menos que o problema seja técnico (quando a mão não chega).
Às vezes, o problemá está no modo como a pessoa estuda. Se ela não corrige a desafinação quando está estudando, nunca vai tocar afinado.
“Quais contrabaixista te impressionaram nessa sua vida contrabaixística?”
Muitos. Na última convenção americana que assisti (em 2007), tinha jovens alunos tocando horrores, além de feras como o Catalin Rotaru, o Joel Quarrington, o Thierry Barbé, o Ed Barker, o Volkan Orhon. Isso sem contar com os que eu já
conhecia de outros carnavais e que já mencionei em outra resposta.
Bem…é isso, Voila.
Um beijo
Voila Marques
Arzolla,
Como estamos encerrando agora o prazo para perguntas na comunidade, nós da ‘Mulheres no contrabaixo’ gostaríamos de saber se você tem mais alguma coisa importante, toque, dica, conselho, etc, para falar para os contrabaixistas…
Aguardamos as suas respostas!
Obrigada e beijocas contrabaixísticas
Voila Marques
Arzolla,
Não sei se você concorda, mas achei engraçado constatar que, quanto mais se estuda, mais se percebe os erros ou as falhas!
Como você costuma resolver os seus problemas contrabaixísticos?
Quando um trecho não está muito bom, você costuma pensar claramente em como você quer o resultado, ou você vai descobrindo aos poucos o que você quer?
Você estuda diversas vezes o mesmo trecho ou você tem preferência por fazer exercícios variados, mas com o mesmo objetivo?
Já aconteceu de você ouvir gravações para ver como outros contrabaixistas resolviam o trecho que você estava com algum tipo de problema?
Como você acha interessante um aluno preparar um concerto ou uma peça difícil: primeiramente como um estudo, ou desde o início você já aborda aspectos interpretativos?
Qual a sua “rotina” de aula, ou melhor, o que você costuma ouvir semanalmente por aluno?
a) estudos de escalas, arpejos e intervalos;
b) estudos de golpes de arco e arcadas variadas;
c) estudos melódicos;
d) peças ou partes de orquestra;
e) abordagem de problemas técnicos específicos.
Obrigada e beijocas contrabaixísticas!
Antonio Arzolla
Voila,
“Não sei se você concorda, mas achei engraçado constatar que, quanto mais se estuda, mais se percebe os erros ou as falhas!”
Sim, por que não há limite para o aprimoramento.
“Como você costuma resolver os seus problemas contrabaixísticos?
Quando um trecho não está muito bom, você costuma pensar claramente em como você quer o resultado, ou você vai descobrindo aos poucos o que você quer?”
Tenho uma ideia do que fazer musicalmente, mas a gente tem que se amoldar às possibilidades técnicas.
“Você estuda diversas vezes o mesmo trecho ou você tem preferência por fazer exercícios variados, mas com o mesmo objetivo?”
Só como último recurso, porque prefiro tocar várias vezes a peça, e ir aprimorando os trechos com essas passadas. Mas para isso, é preciso antever sempre esses trechos problemáticos, para ir melhorando a execução deles aos poucos.
“Já aconteceu de você ouvir gravações para ver como outros contrabaixistas resolviam o trecho que você estava com algum tipo de problema?”
Sim, e incentivo os alunos a fazer isso também. Não só para problemas, mas como para a interpretação geral.
“Como você acha interessante um aluno preparar um concerto ou uma peça difícil: primeiramente como um estudo, ou desde o início vc já aborda aspectos interpretativos?”
Começo com a leitura, tentando acertar os ritmos, a afinação, as arcadas e dedilhados. Tendo resolvido isso, passo para a interpretação. Mesmo porque a maioria dos alunos só consegue pensar em interpretação quando os outros problemas estão resolvidos.
“Qual a sua “rotina” de aula, ou melhor, o que vc costuma ouvir semanalmente por aluno?”
Escalas e arpejos, estudo de arco, estudos melódicos, outros estudos (capotasto por exemplo), partes de orquestras eventualmente, e repertório.
Bem, Voila, mais uma vez obrigado pela oportunidade.
Saudações contrabaixísticas!
Voila Marques
Gostaríamos imensamente de agradecer ao nosso querido Arzolla por ter aceito o nosso convite e pela sua valiosa participação contrabaixística aqui conosco!
A ‘Mulheres no contrabaixo’ estará sempre com as suas páginas contrabaixísticas abertas para recebê-lo!
Gostaríamos também de agradecer a participação dos nossos colegas contrabaixistas Ronnie Oliveira, Lucas Oliveira, Thiago Correia, Felipe Escovedo e Voila Marques que, com suas perguntas, contribuíram para o sucesso e o ótimo nível do nosso segundo “Linhas de Baixo”!
Abraços e parabéns contrabaixísticos!
Lucas Oliveira
Oi, Arzolla. Muito obrigado pelas respostas.
Abração
Antonio Arzolla
Disponha, Lucas!
Um abraço
Voila Marques
Obrigada pelas respostas às minhas perguntas, Arzolla!
Adoro ler as coisas que você escreve!
Sua entrevista foi ótima!
Beijocas contrabaixísticas”

Licença Creative Commons
Orientacoes Contrabaixisticas by Voila Marques is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas License.

Esta entrevista foi realizada no Linhas de Baixo na comunidade do Orkut, “Mulheres no contrabaixo”, em abril de 2009, e suas perguntas foram elaboradas por membros da comunidade.
Na época com 71 anos, o grande contrabaixista Sandrino Santoro pode ser comparado a um maravilhoso vinho contrabaixístico ítalo-brasileiro: não envelhece, encorpa e exala saber e o sabor da sua paixão pelo contrabaixo.
Um brinde a Sandrino Santoro, com Sandrino Santoro!
“Colegas dos graves bem formados e bem-informados,
Este é o tópico do “Linhas de Baixo” (entrevistas) da ‘Mulheres no contrabaixo’, que contará com a participação do grande contrabaixista SANDRINO SANTORO.
Sandrino Santoro: Mini-release
Foi professor de contrabaixo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio) e da Escola Villa-Lobos (EMVL), entre outras instituições.
Foi primeiro contrabaixista das orquestras: Sinfônica do Theatro Municipal do RJ, Sinfônica Nacional da UFF, e de Câmera da Rádio MEC.
Atuou como solista da Orquestra Sinfônica Brasileira, da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília e da Orquestra de Câmera da Rádio MEC (1966), e realizou vários recitais de contrabaixo.
Participou de diversas gravações de artistas da música popular.
Ministrou aulas de contrabaixo nos Festivais Internacionais de Brasília e no Festival de Vassouras, entre outros.
Em 2008, os 70 anos de Sandrino Santoro foram comemorados com uma apresentação bastante divulgada na mídia, onde uma boa parte de seus inumeráveis discípulos tocaram, homenageando o grande mestre do contrabaixo no Brasil.
Em 2009, foi realizado o “I Concurso Nacional para Contrabaixo Sandrino Santoro”, mais um marco contrabaixístico na vida deste mestre dos mestres, e de todos os contrabaixistas.
Voila Marques
Nossas boas-vindas…
Bem-vindíssimo, Sandrino!
A comunidade ‘Mulheres no contrabaixo’ sente-se muito honrada com a sua ilustre presença contrabaixística por aqui, e agradece desde já por você ter aceitado o convite para inaugurar o “Linhas de Baixo” (entrevistas contrabaixísticas)!
Abraços contrabaixísticos
Sandrino Santoro
Olá, pessoal!
Espero poder ajudar nesta díficil, mas emocionante, arte que é tocar o contrabaixo.
Grande abraço a todos
Jonas da Silva Junior
Olá, Grande Sandrino!
Gostaria, com toda a tua experiência, que tu falasses da situação do contrabaixista no Brasil, e da tua opinião de como está o trabalho em geral nas orquestras brasileiras, as condições de trabalho, o nível artístico, o campo de trabalho na música popular e na área de educação…
Valeu, grande Sandrino!
Sandrino Santoro
Olá, Jonas!
Obrigado pelo “Grande” mas, sinceramente, me sinto muito pequeno em relação aos “Grandes”
Penso que há muito tempo o contrabaixo no Brasil está em evolução, devido às exigências para se entrar em uma orquestra.
Quanto ao trabalho nas orquestras, vai depender sempre de um bom maestro, que além das qualidades artísticas, precisa ser educado quando se dirigir aos seus músicos. As condições de trabalho de um modo em geral são boas.
Atualmente há muita procura pelo contrabaixo acústico, tanto no popular quanto no clássico, porém sabemos que só talento não basta, é preciso se dedicar sem ter pressa. É um treino diário, como fazem os atletas.
Acrescento alguns métodos para você se orientar, porém, cada aluno é diferente. O professor precisa variar de métodos.
Eu sempre agi dessa forma e aqui vão alguns deles:
François Rabbart: Nouvelle Technique de la Contrabasse, 1°, 2° e 3° volumes.
Outros como Eduard Nanny, Billé, Simandl, J. M. Rollez, 2° e 3° volumes, Slama, Bottesini, Murray Grodner, Klaus Trumpf, Eugine Levinson (método de escalas muito bom) e Ferraris (método para cordas duplas).
Espero ter ajudado um pouquinho.
Abraços

Wagner Gadelha
Olá, Sandrino!
Sou músico da Orquestra de Cordas da grota, do Márcio e da Lenora Salles.
Atualmente estudo Regência na Escola Villa-Lobos, e aproveitei a oportunidade para estudar com a Voila.
Gostaria de saber a sua opinião sobre o Método do Suzuki para contrabaixo, se é bom alternar com outros métodos, ou se há algum método que supra melhor as necessidades para a formação de um bom contrabaixista?
Muito Obrigado!
Sandrino Santoro
Olá, Wagner!Tudo bem contigo?
Conheço muito bem o trabalho que o Marcio faz com a Orquestra da Grota. Parabéns a todos!
Creio que o Método Suzuki é muito bom. Eu o uso no projeto Volta Redonda, Cidade da Música. Naturalmente que depois de algum tempo você pode variar com outros métodos, dependendo do aluno e dos objetivos dele.
O estudo de hoje é diferente daquele quando eu começei. Hoje já começo ensinando na 4ª posição, aproveitando os harmônicos que são fáceis e que ajudam para o vibrato.
Estudar relaxado, não fazer força para tirar som, estudar escalas e seus intervalos, cantar as notas antes de tocá-las vai ajudar ao aprendizado. E, estudar um pouco de violoncelo antes do contrabaixo, também contribui.
Abraços a todos da Grota.
Jonas da Silva Junior
Eu dou aulas de contrabaixo num projeto em Florianópolis, a Orquestra Juvenil de Floripa.
Nosso maestro e a professora de violino fizeram aulas com o próprio Suzuki, indo duas vezes ao Japão.
Sei um pouco da filosofia, e tenho os metodos de contrabaixo, e ela se baseia na aprendizagem da fala, de tocar e os alunos repetirem, (isso bem resumido).
Gostaria que você falasse de seu trabalho como professor, que metodologia usa, que rotina de estudos passa aos alunos, e o que acredita ser mais importante em ser aprendido pelo estudante que inicia no estudo do contrabaixo.
Sandrino Santoro
Oi, Jonas!
Tudo evolui na vida.
Hoje em dia, existem contrabaixistas que tocam as Suítes de Bach para violoncelo solo, concertos de violino, obras escritas para qualquer instrumento.
Você ouve e se pergunta: será que é verdade?
Vai depender da ambição de cada aluno. Naturalmente que não é tão simples, não basta ter talento.
Um bom professor, um bom arco, um bom instrumento, um bom encordoamento, e porque não falar no fator sorte, ajudam bastante.
Abraços
Voila Marques
Oi, Sandrino!
Como era considerado o contrabaixo há algumas décadas? O que mudou?
Você sempre fez solos, recitais, foi professor de contrabaixo da UFRJ, da UniRio e de outras instituições, participou de grandes orquestras, etc e também foi responsável pela formação de uma enorme quantidade de bons alunos, que sempre movimentaram o meio contrabaixístico tocando em grandes orquestras do país, fazendo solos, recitais, dando aulas em universidades e escolas, etc…
Mesmo que sua modéstia não queira deixar você pensar assim, nós outros sabemos que existe uma realidade contrabaixística “AS” (antes do Sandrino) e uma “DS” (depois do Sandrino).
O que você tem a dizer sobre isso e como você se sente com tudo isso?
Obrigada e beijocas contrabaixísticas!

Sandrino
Santoro
Olá, Voila. Parabéns pelo seu trabalho em prol do contrabaixo.
De fato, antigamente nosso instrumento estava sempre em segundo plano. Eram poucos os baixistas que estudavam na região média e aguda.
Então, quando tinha alguma passagem mais complicada (exemplo: Bachiana 9 de Villa-obos), todos começavam a debochar.
Era mais ou menos assim: o músico que não tinha mais condições de tocar seu instrumento, por diversar razões, passava para o contrabaixo.
Estudava um pouco e, como não tinha muita concorrência, acabava entrando na orquestra.
Em 1961 fiz meu primeiro concurso para o Orquestra Sinfônica Nacional, que era da Rádio Mec. Toquei uma música com piano e foi uma surpresa. Outros colegas tocaram um estudo do 3° ano do Billé e também foram aprovados.
Em 1966 toquei como solista da Orquestra Sinfônica Brasileira na Sala Cecília Meireles o concerto de Dittersdorf em Mi maior e foi outra surpresa. Nesta data, eu estava no Theatro Municipal, que entrara em 1963.
A partir deste concerto, os colegas começaram a acreditar que o contrabaixo era um instrumento como outro qualquer.
Na realidade, queria mostrar o contrabaixo como um bom cantor.
O contrabaixo começou a tomar impulso quando me apresentei na TV Globo tocando um solo com a Orquestra de Câmara da Rádio Mec e também em duo com piano, além de vários programas da TVE.
Hoje, me sinto realizado e feliz com a minha proposta de querer mostrar o baixo em igualdade de condições com outros instrumentos, e isto pode ser notado nos dias de hoje.
Recentemente, nos dias 11, 2 e 13 de março de 2009 tivemos uma amostra disso tudo com a realização do I Concurso Nacional de Contrabaixo Sandrino Santoro, tanto na área popular quanto erudita, ganhando alunos de ex-alunos meus.
Muito obrigado de coração pela continuação deste trabalho ensinando contrabaixo.
Um grande abraço

Lucas Oliveira
Olá Sandrino Santoro!
Gostaria de saber quais são as conseqüências da existência de dois arcos, alemão e francês.
Quais são os pontos negativos e positivos que isso gera para o instrumento?
Obrigado

Sandrino
Santoro
Oi, Lucas! Tudo bem?
Eu e outros baixistas não temos problemas algum em usar o arco alemão ou francês. O importante é saber tocar.
Hoje existem alguns baixistas muito bons usando ambos os arcos.
Não penso que o arco possa afetar o instrumento. Eu mesmo gosto dos dois arcos e tenho um alemão também.
Outro dia, esteve em minha casa o professor Luciano da Paraíba, que toca com arco alemão. Ele acha que o baixista de hoje deveria tocar com os dois arcos.
É como tocar em pé ou sentado. O que é melhor?
Um abração pra você.

Agatha de Castro
Olá, Sandrino! É um grande prazer!
Gostaria de saber do teu início. Como foi que descobriu-se contrabaixista, qual tua história de paixão contrabaixistica e tuas referências.
Desejo a você sucesso e saúde!

Sandrino
Santoro
Oi, Agatha!
Vou tentar explicar: na realidade, eu queria tocar violão porque onde nasci, em Acquappesa, província de Cosenza, Itália, tinha, como tenho ainda, primos que tocavam violino, violão, órgão etc.
Cheguei ao Brasil com 13 anos e fui estudar música com 17 anos, juntamente com um primo meu que cantava muito bem e estudava música com Enrico Zottolo.
Após algum tempo, pedi para o professor Enrico me ensinar. Ele aceitou e fiquei feliz da vida.
Depois de pouco tempo, ele me perguntou que instrumento queria tocar e eu disse que queria o violão. Ele não gostou e me disse: “você tem que tocar contrabaixo porque tens uma mão grande e eu vou fazer o teu primeiro contrabaixo” (ele era luthier também). Fui para casa pensativo. Falei com meu pai e depois de muita conversa ele disse: “se o Zottolo falou, está falado”.
Hoje em dia acabou o problema de mão grande. Tive muitos alunos com mãos pequenas que tocam muito bem.
Meu início foi difícil, muitos colegas onde morei começaram a caçoar de mim e do instrumento, mas aos poucos foram se acostumando e pararam de mexer comigo.
Não tinha automóvel e era difícil subir a escadaria onde morava com o baixo nas costas, mas quando se é jovem, tudo é mais fácil.
Começei as primeiras lições com o Zottolo, depois com Antonio Leopardi que vinha até minha casa para me dar aulas.
Depois de ano e meio ele veio a falecer. Passei então a estudar com o professor russo Vassil Yeremej, que mostrou um modo de tocar diferente. A partir daí, fui evoluindo e gostando porque ele era um grande solista, porém, dei azar, após 4 anos, ele voltou para a Rússia.
Conhecei depois o professor italiano Lucio Bucarella, que vinha constantemente ao Brasil, com o famoso conjunto I Musici, da Itália. Ficamos amigos e sempre que ele vinha, tirava uma “casquinha” (somos amigos até hoje). Estudei também com Agostino Paglia.
Outra referência foi o Gary Karr. No início, quando ouvia seus discos, tentava imitá-lo. Se notar, ele trata o contrabaixo como um bom cantor.
Um grande abraço prá você

Daniel Menezes
Sandrino,
Queria saber da sua perspectiva em relação ao contrabaixo.
Já ouve épocas que tendo um contrabaixo e um arco alguns de nós já tinhamos empregos. Hoje em dia às vezes a cobrança é maior do que relação ao outros intrumentos.
Em em relação ao arco, já tive discussões sobre usar ou não. Antigamente diziam que baixo sem arco é como se nem tivesse corda. Hoje em dia pensa-se diferente e você, como pensa?
Muito obrigado
Sandrino Santoro
Olá, Daniel!
Você tem razão: hoje tudo é mais difícil. É claro que a cobrança é maior, pois temos centenas de contrabaixistas que, além de tocarem em orquestras, são solistas e professores, haja vista quantos cds temos com solistas de contrabaixo, muito mais que violistas, violinistas, violoncelistas etc. Por isso, a cobrança é maior.
Hoje existem contrabaixistas na área popular que não usam o arco. Eu penso que o arco completa a formação.
Abraços
Daniel Santana Saab
Os contrabaixistas ao longo da formação passam por crises existenciais, morais, musicais, enfim, tem vezes que queremos mandar o “mais grave de todos” para as cucuias e seguir num outro rumo…
Como você se encontrou e se firmou no instrumento que hojé é…(sem palavras) o que é?
Sandrino Santoro
Oi Daniel, boa pergunta!
Não é só nosso instrumento: os violoncelistas, violinistas e violistas passam pelos mesmos problemas.
Minha idéia é não dar bola pra estas crises, é normal para quem quer fazer um bom trabalho.
Tive muitas, às vezes estudava um trecho orquestral e no meu íntimo dizia “hoje vai sair tudo legal”. E, quando acabava a ópera, balé ou concerto, eu saía arrasado, nada havia acontecido como tinha planejado. Sabe por quê? Quem gosta daquilo que faz, quer sempre mais e mais.
Não ligue muito, nem pense tanto: estude!
Abraços e boa sorte
Jonas da Silva Junior
Sandrino, o que você acha mais importante, para ter uma boa sonoridade? E como fazer?
Sandrino Santoro
Olá novamente, Jonas!
Creio que não é difícil ter uma boa sonoridade:
1°) Estudar bastante descontraído;
2°) Não querer tirar muito som, vai aumentando aos poucos o peso do teu braço quando segurar o arco, independente se é o alemão ou francês;
3°) É muito importante o lugar onde se passa o arco, que você sabe é entre o cavalete e o espelho, e naturalmente a 90 graus da corda.
Usar muita crina ou pouca, dependendo do trecho, também ajuda.
Abraços
Ronnie Oliveira
Mestre Sandrino, queria uma dica prá samba ou choro com arco. O que devo fazer?
Quero também dizer que o senhor já deu aula para a minha querida professora (Miranda Bartira). Ela sempre fala bem do senhor.
Eu já toquei numa prova um choro do Adriano Giffoni chamado “Sandrino no Choro”!
Incrível, você é uma uma meta para mim em questão de sonoridade, músico e etc…
Abraços, Mestre!
Sandrino Santoro
Olá, Ronnie! Tudo bem? Obrigado de coração pelas tuas palavras a meu respeito.
Existem alguns livros (métodos) que poderiam ajudá-lo:
Do Adriano Giffoni, do André Rodrigues, do Alexandre Brasil que fez sua dissertação de Mestrado falando sobre Choro e transcreveu alguns para o contrabaixo, do Dôdo Ferreira, etc.
Abração
Alessandra Castro
Querido professor,
Primeiramente, quero agradecer-lhe por todo incentivo, ajuda e carinho comigo e por toda a sua contribuíção para o contrabaixo!
Minha pergunta é: como incentivar os alunos que tem mais dificuldade em tocar o contrabaixo?
Um grande abraço ao senhor e toda a sua família. Saudades sempre!
Beijo
Sandrino Santoro
Minha cara amiga Alessandra, como estão todos por aí? Estou com saudades.
Voce não tem que me agradecer de nada, eu incentivo a todos que queiram estudar este “violino grande”.
Tu, que já estás ensinando, também com certeza deve incentiver seus alunos.
É fácil:
1°) Procure cordas de solo e afine com afinação de orquestra;
2°) Não queira que o aluno tire muito som no início;
3°) Procure ensinar músicas que ele conheça, como por exemplo “Cai Cai Balão”, “Parabéns prá você”, músicas de carnaval as mais conhecidas;
4°) Tratar os alunos com o maior carinho possível.
Abraços
Rúben Meirelles
Grande Sandrino,
Nunca passou pela sua cabeça escrever um método para contrabaixo?
Quais são as suas dicas na hora de escolher um bom instrumento?
Abraço

Sandrino
Santoro
Meu caro Rúben, obrigado pelo apelido de “Grande”, mas sem falsa modéstia, com 71 anos me considero “pequeno”.
Já sim. Anos atrás pensei em escrever, porém, visto que existem tantos métodos, acabei desistindo da idéia.
Escrevi alguns estudos sobre intervalos. Voce pode experimentá-los:
Toque uma nota qualquer e começe com o intervalo de 2ª, depois com intervalo de 3ª, 4ª 5ª, 6ª, 7ª 8ª, 9ª etc, subindo e descendo sempre, com arcadas variadas e ritmos diferentes, de preferência ligando sempre os sons. É bom praticar este exercício em todas as cordas.
Rúben, chegamos aqui em um ponto bastante difícil que é a compra do contrabaixo.
Na realidade, qualquer instrumentista vai em busca do instrumento ideal, mas todos nós sabemos que é complexo, porque atualmente não existem mais contrabaixos antigos, que são muito raros, e consequentemente muito caros.
Eu mesmo tive excelentess contrabaixos e os vendi para alunos meus. Na época era fácil encontrá-los porque vinham orquestras da Europa e deixavam seus instrumentos por aqui a preços muito bons.
Agora existem contrabaixos chineses para profissionais que são bons ou então encomendar para um bom luthier que pode conseguir em madeira nacional a 9 mil e em madeira importada de 15 a 20 mil reais.
Deu para entender? Para completar, um arco bom também é muito difícil de se encontrar.
Um abração

Voila Marques
Gostaria que você falasse sobre o vibrato para a gente…
Como você ensina o vibrato?
Ele é flexível, ou seja, muda de acordo com o estilo ou o andamento da música?
O instrumentista pode variar de vibrato de acordo com a região do instrumento por causa da emissão do som, ou ele é sempre o mesmo tanto nos graves quanto nos médios e agudos, e a resposta do instrumento é que se encarrega de “fazer” a diferença?
Penso no vibrato como um recurso expressivo, mas vejo muita gente usando bastante o vibrato como “recurso de afinação”, ou seja, as notas saem meio baixas ou altas, e o contrabaixista vai “afinando” com o movimento de oscilação da mão. O que você pensa sobre isso?
O que fazer para melhorar o vibrato?
Obrigada e beijocas contrabaixísticas
Sandrino Santoro
Olá, Voila. Pelo que me lembro você tinha um bom vibrato. Não sei como está agora.
É claro que muda com o estilo da música: se for Barroco, pouco vibrato.
Já no Romantismo, o vibrato torna-se maior de acordo com os temas do autor.
Se for triste, não precisa de muito. De qualquer maneira, este é um assunto bastante polêmico.
Hoje em dia existem contrabaixistas que não vibram nada e o som é bom.
Eu prefiro o Gary Karr e tantos outros. É claro que o instrumento ajuda muito e a nota estando bem afinada vai vibrar por simpatia. Experimente!
Voila, o que penso é que o vibrato não pode ser igual ao de “cabrito”. Entendeu? Espero que sim.
Você tem toda a razão que o vibrato é um recurso expressivo, mas se procurar a Maria Callas, ela vibra divinamente, basta que nós a imitemos. Ele ajuda como recurso de afinação sim.
O que penso é que de modo geral são poucos os músicos que pensam nas notas e nos intervalos antes de executá-los. Naturalmente que os que pensam serão os mais afinados, por quê? Porque a correção é feita tão rápida que ninguém percebe.
Para melhorar o vibrato, penso que estudando com o pizzicato ajuda muito, pois muitas vezes o que atrapalha é o arco.
Estude devagar e relaxado. Procure notar qual dedo é o mais cômodo para vibrar e explore este dedo.
Se na 1ª posição for difícil, procure na 3ª e 4ª posição. Nesta região, os harmônicos vão ajudar. Vá depois para as notas agudas, pois nesta região há alunos com mais facilidade do que nos graves.
Faça um trabalho de glissando com qualquer nota em intervalos grandes, reduzindo até um tom e depois meio tom. Isto cada vez mais rápido, irá ajudar.
Por final, tente as cordas duplas vibrando todos os dias um pouco.
Quando você ouvir vibrando bem as duas notas, é sinal que já chegou no “pulo do gato”.
Abraços

Voila Marques
Sandrino,
Como estamos encerrando agora o prazo para perguntas na comunidade, nós da ‘Mulheres no contrabaixo’ gostaríamos de saber se você tem mais alguma coisa importante, toque, dica, conselho, etc, para falar para os contrabaixistas…
Aguardamos as suas respostas!
Obrigada e beijocas contrabaixísticas
Sandrino Santoro
Voila, em primeiro lugar quero parabenizá-la por tudo e por todas as perguntas que me foram enviadas.
Não sei se consegui atender a todos com as minhas respostas.
Como você sabe, é preciso gostar muito do contrabaixo, caso contrário não se chega a lugar nenhum.
Uma dica boa seria começar estudando um pouco de violoncelo e depois pegar no contrabaixo. Você vai notar que a postura do aluno será mais relaxada e vai querer sentar como senta o violoncelista, o que é muito bom.
Atualmente alguns dos grandes solistas sentam em um banquinho baixo, com os dois pés no chão. Outros com os dois pés no banquinho e outros continuam tocando em pé. Tudo é válido, basta tocar bem.
Um fato curioso aconteceu em Brasília com um amigo meu que havia estudado na Holanda. Ele estava tocando uma peça simples, para me mostrar as extensões absurdas que ele fazia sem necessidade.
Quando terminou, dei os parabéns e pedi para tocar a mesma peça apenas com o 1° dedo. Ele tocou e pedi que tocasse apenas com o 2°, com o 3° e com o 4° dedo, sucessivamente. Ele, um pouco chateado, me perguntou: “você não vai querer que eu toque apenas com o o polegar?”, e eu respondi que sim.
Quando terminou de tocar, ele me perguntou se eu estava satisfeito, e eu disse que sim.
Para terminar este episódio, perguntei o que ele havia achado de ter tocado a peça apenas com um dedo, e ele não soube me responder.
Então eu finalizei, dizendo que ele conseguiu tocar muito bem porque é um grande músico.
Moral da história, Voila, o importante é tocar, não importa se o arco é francês ou alemão, se toca em pé ou sentado, não importa o dedilhado que se usa, não importa se toca com afinação de orquestra ou de solista.
O professor italiano Massimo Giorgi tocou em meu contrabaixo com cordas de orquestra afinadas um tom acima. Depois de meia hora, ele me disse: “Não precisa trocar as cordas”. No dia seguinte, o recital dele foi maravilhoso.
Terminando, espero que tenha dado minha contribuição mais uma vez ao contrabaixo, com meus 71 anos de vida.
Um abraço carinhoso a todos

Rodolfo
Mr Sandrino,
Apesar de ser apenas um mero “aspirante”a contrabaixista, tenho que lhe dar os parabéns pela grande carreira como músico!
Dá até inveja (mas é uma inveja boa, tá?)… Vida longa ao Sandrino e ao seu contrabaixo!

Voila Marques
Sandrino,
Primeiramente, a ‘Mulheres no contrabaixo’ gostaria de agradecer as suas respostas, que foram ótimas!!!
Essa entrevista contrabaixística está sendo muito importante para todos nós da comunidade e para todos os contrabaixistas de um modo geral!
“Segundamente”, gostaríamos também de agradecer a seu filho e violoncelista Paulo Santoro, que nos tem dado todo apoio logístico e virtual para a realização desta sua entrevista no nosso “Linhas de Baixo”!
Obrigada e abraços contrabaixísticos!

Alessandra Castro
Querido professor,
Todos estão bem por aqui graças a Deus. Aqueles alunos que eram iniciantes já estão concluindo o curso técnico no conservatório e a safra está sendo renovada. Sentimos muitas saudades suas também!
Como o senhor sabe, a faixa etária dos meus alunos iniciantes varia de 11 a 18 anos. E esta fase é difícil algumas vezes conseguir disciplina nos estudos e no curso de um modo geral. É quando os pais cobram muito mais a aprovação no colégio ou no vestibular e aí o estudo do instrumento fica totalmente abandonado.
Só se estuda na hora da aula ou 5 minutos antes. Mesmo que se converse e explique a necessidade de se estudar todos os dias. Minha pergunta é: O que o senhor sugere de técnica e obras para despertar nesses alunos o interesse nos estudos e obter resultados satisfatórios, principalmente desses alunos ao tocar o contrabaixo.
Um grande abraço ao senhor e toda a sua família. Beijos
Sandrino Santoro
Oi, Alessandra. Isto que você escreve é a coisa mais verdadeira.
Quando eu estava na Escola de Música da UFRJ dando aula, tinham aqueles que faziam instrumento B (complementar), e assim que compareciam eu perguntava: “Você tem interesse em aprender alguma coisa no contrabaixo?” Quando a resposta era “não”, eu dizia: “Entao não precisa vir a aula e te dou uma nota baixa”. Quando dizia “sim”, naturalmente eu procurava dar pequena técnica para desgustar um pouco do instrumento.
Para despertar o interesse nestes teus alunos e obter resultados satisfatórios, é bom usar o método Suzuki. Depois, você pode mandar que eles façam alguma música usando somente os sons harmônicos.
Outra maneira seria dar a eles músicas muito fáceis, como as música infantis.
Abraços
Lucas Oliveira
Olá, Sandrino. Primeiramente, agradeço pela sua ajuda.
Nessa segunda pergunta gostaria que voce falasse sobre o repertorio do contrabaixo, quando ele começou a ser usado como instrumento solo até os dias atuais.
Grande abraço e muito obrigado!
Sandrino Santoro
Oi, Lucas!
O repertório para contrabaixo solista de nosso conhecimento começou com Domenico Dragonetti (1763-1846), que era muito amigo de Beethoven.
A título de curiosidade, Dragonetti tocou na missa quando Beethoven faleceu.
Seu concerto em lá maior é tocado até hoje. Embora alguns digam que é um plágio do concerto do Edoard Nanny, eu não acho. Poderia até afirmar que o Nanny gostou tanto do concerto dele que fez um parecido.
Ele escreveu ainda um outro concerto que foi descoberto a pouco tempo. Tenho a partitura a pouco tempo também, mas nunca ouvi nem conheço alguém que tenha gravado.
Depois dele, naturalmente, que vem o famoso Giovani Bottesini, que era apelidado de “Paganini do Contrabaixo”. E ainda outros do século XX e XXI.
Abraços

Jeronimo
Parabéns!
Voila, foi mui interessante ler essas respostas do prof. Sandrino. Considerei uma masterclass de primeira.
Abraços
Voila Marques
Que bom que você gostou da entrevista, Jeronimo!
Eu também adorei!
Voila Marques
Sandrino, eu que gostaria de agradecer tudo o que você fez por mim, pois tenho certeza que foi uma grande honra para mim ter sido sua aluna, assim como tenho certeza de que se eu tivesse começado o contrabaixo com outro professor os resultados muito provavelmente não teriam sido o que foram. Se não foram melhores, pode ter certeza de que não foi por culpa do professor!
A pergunta sobre o vibrato foi mais abrangente do que só à minha pessoa, pois eu acho que esse assunto, além de polêmico, precisa ser mais escrito e falado. E ninguém melhor que você para fazer isso, com esse seu vibratão maravilhoso!
Adorei as suas respostas. A última me deixou emocionada…
Agora conte para nós: qual é a sua rotina de estudo e qual a rotina que você acha interessante ser feita por um aluno que quer se profissionalizar no contrabaixo?
Como você acha que o contrabaixista pode cuidar da sua saúde na prevenção de tendinites, pinçamentos de coluna, etc?
Obrigada e beijocas contrabaixísticas
Sandrino Santoro
Oi Voila, você, como sempre, muito gentil.
Espero que esse seu trabalho possa render muitos frutos aqueles que queiram entrar nos sons graves…
Minha rotina de estudo com 71 anos é pegar no contrabaixo quase que diariamente. Começo estudando cordas soltas beeeem devagar. Depois vou para as escalas, de preferências nas 4 cordas, depois faço intervalos de 3ªs, 4ªs, 5ªs até oitavas, sempre sem vibrato e o mais descontraído possível e sem olhar para o instrumento.
Isto ajuda na afinação, de preferência mentalizando e cantando a nota antes de executá-la.
Faço também arpejos com suas inverções, principalmente os de 7ª diminuta.
Depois disso, estudo um pouco de vibrato para que a mão esquerda fique mais solta.
Procure sempre uma música nova. Normalmente, uma mais fácil e outra mais difícil.
Isto tudo pode ser feito de memória, porém o método de escalas do Eugene Levinson é ótimo e tem praticamente tudo que falei no início.
Para o profissional que deseja se profissionalizar, é uma pequena dica do que faço.
Com certeza, outros colegas pensam diferente e consequentemente estudam de outras maneiras que também são válidas.
Quanto ao ponto saúde que você quer saber, é importantíssima esta pergunta.
Voila, hoje em dia a maneira mais prática para não ter problemas de coluna é sentar em um banco mais baixo com os dois pés no chão ou em um banco normal com os dois pés apoiados no banco.
Não se debruçar no instrumento a todo momento. Quando fizer isto, vá com os braços e não com a cabeça.
Quando estiver nas posição grave, tocar com a coluna voltada para trás para não ter este pinçamento de coluna, como você menciona.
Quanto às tendinites, acontece porque o instrumento tem cordas altas, cordas grossas ou mal montado. Ou seja, para quem não quer sofrer de tendinite, usar cordas mais finas e tocar relaxado com ambas as mãos. Nessas horas o vibrato ajuda, a não ser na orquestra que às vezes é preciso dar uma boa “cacetada” em uma nota exigida pelo autor ou pelo maestro.
Obrigado por tudo e sempre que precisar, estarei à disposição!
Voila Marques
Acabamos de encerrar a entrevista com o grande contrabaixista e professor Sandrino Santoro.
Gostaríamos imensamente de agradecer ao prof. Sandrino por ter aceito o nosso convite e pela sua valiosa participação contrabaixística aqui conosco!
Agradecemos também o seu oferecimento e sua disponibilidade em nos ajudar sempre que necessário!
A ‘Mulheres no contrabaixo’ estará sempre com as suas páginas contrabaixísticas abertas para recebê-lo!
Gostaríamos também de agradecer a participação dos nossos colegas contrabaixistas Jonas da Silva Junior, Wagner Gadelha, Lucas Oliveira, Agatha de Castro, Daniel Menezes, Daniel Santana Saab, Ronnie Oliveira, Alessandra Castro, Rúben Meirelles e Voila Marques que, com suas perguntas, contribuíram para o sucesso e o ótimo nível do nosso primeiro
“Linhas de Baixo”!!
Reiteramos o nosso agradecimento ao violoncelista e filho do Sandrino, Paulo Santoro, pelo apoio logístico e virtual!
Abraços e parabéns contrabaixísticos!”

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Queridos colegas dos sons fofosos e contrabaixosos,
Há alguns anos, na minha ex-comunidade do Orkut -“Mulheres no contrabaixo”- iniciei uma série de entrevistas com contrabaixistas, a qual dei o nome de Linhas de Baixo, em que os membros da comunidade formulavam as perguntas.
O nome Linhas de Baixo, foi inspirado na semelhança da execução e da condução das linhas de baixo no instrumento, com a condução da vida contrabaixística do entrevistado.
Neste projeto foram entrevistados Sandrino Santoro, Antonio Arzolla, Oswaldo Amorim, Ana Valéria Poles e Adriano Giffoni.

A idéia agora é a de dar continuidade a este projeto aqui no blog, primeiramente transcrevendo essas entrevistas revistas e/ou atualizadas e, em seguida, trazer outros contrabaixistas para enriquecer ainda mais as nossas páginas, mas em outro formato, com um único entrevistador: euzinha aqui!

Abraços e beijocas contrabaixísticas

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Vibrato é a delicada oscilação sonora feita com o dedo se movimentando um pouco para lá e pouco para cá, sem escorregá-lo do lugar em que ele está.

A grosso modo, é como se o dedo ficasse um pouco nervoso e saísse distribuindo “cotoveladas” em quem tentasse se aproximar dele.

Como contrabaixistas educadinhos que somos, não podemos distribuir “cotoveladas” em tudo e todos os sons que aparecem pela nossa frente.

Se você quer “brigar” sempre com as notas, que o faça com estratégia e objetivos, pois o vibrato deve ser usado como recurso expressivo e não como recurso de afinação.

Quando o vibrato deixa de ser um recurso expressivo, alguns probleminhas podem surgir…

Por exemplo: de nada adianta você passar a sua vida contrabaixística errando a pontaria dos intervalos, para ajustá-los com aquela tremidinha nervosa que você acha que é um vibrato e, principalmente, que você acha que é o super vibrato que pode livrá-lo também da desafinação.

De tanto você fazer isso, você passará não só a ser um contrabaixista que vive fazendo ajustes de afinação, como seu vibrato deixará de ser algo bonito e expressivo para virar um disfarce de seu estudo mal direcionado.

Escalas e intervalos costumam ser estudados sem vibrato, para que fiquem mais precisos. Depois que a “precisão” aparece com mais freqüência, você pode acrescentar pitadas de vibrato a gosto.

Um bom estudo para a “pontaria” é escorregar os dedos da mão esquerda em direção à nota com um metrônomo e fazer um acento com o arco na nota almejada assim que o dedo chega nela.
Dessa forma, as notas não sofrem “ajustes”. Você vai ouvir o som da nota sem vibrato.

Estava desafinada? Volte 5, 10, 50 vezes até acertar a fofa, sem se esquecer de pensar no movimento, na nota desejada e na distância a ser percorrida.

Só evite repetir a nota errada por mais de cinco vezes seguidas sem dar uma parada básica para pensar, porque senão o seu cérebro passará a achar que aquele foi o caminho certo. Explicando melhor: se você for repetir o movimento 20 vezes, não se esqueça de que o bom senso é múltiplo de cinco, certo?

Voltando à notinha “esquisita”, você desafinou bonito e, para compensar essa falha “mecânica”, o que você faz?
Enfia a droga do vibrato na nota assim que consegue captar a desafinação, e com ele escorrega o dedo até a nota ficar certa.

Com o tempo, além do seu cérebro achar que o intervalo errado é o certo, ele também passará a achar que aquele vibrato salvador da sua desafinação faz parte do processo.
Simples, não é? Você passará a tocar desafinado e com um vibrato para afinar.

Aí, a qualidade do vibrato também passará a ficar comprometida. Afinal, ele foi chamado para ser o galã da sua música e você o torna um reles coadjuvante de afinação!…
Lógico que ele vai se revoltar com esse papel ridículo, passará a ficar cada vez mais agressivo e passará também a distribuir “cotoveladas” nas notas cada vez mais rápidas.

Você não perceberá, mas um dia alguém descobrirá para você que o seu galã virou um carneiro…

Mais à frente, alguns vibratos se revoltam de outra forma: de tanto serem obrigados a consertar a desafinação do contrabaixista como um tique nervoso, eles entram em estado de choque e param de acontecer.

A partir disso, eles passam a apresentar o tal do tique nervoso no início da nota e mais nada!…
Até o vibrato surta, gente!

Com o tempo, a mão esquerda também fica dura e aí, o galã que virou um carneiro, se transformou num carneiro de um mé só: méee de méeerda de mão esquerda!

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Mais pontual do que o esperado, Voila Marques surge no café do hotel para a nossa entrevista. Ficamos na dúvida sobre quem chegou primeiro: se ela, os cabelos vermelhos ou o batom cor de vinho escandaloso.
O visual preto e estiloso perde a austeridade inicial assim que um largo sorriso nos recebe, como se já fôssemos velhos contrabaixistas conhecidos.
Pedimos um sorvete e, entre uma colherada e outra, logo surge a primeira confissão: “Sou viciada em sorvete. Na minha última turnê com a OSB, tomei onze bolas de sorvete em Belém do Pará, que era a primeira cidade. Depois disso, saí pisando na jaca pelo mapa do Brasil! Quem falou que “comer e coçar só dependem de começar” não conhecia o sorvete! (risos)
Voila é professora de contrabaixo e quase autora de um livro sobre orientações contrabaixísticas. Ela foi também contrabaixista por 19 anos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), tendo sido comunicada da demissão, junto com mais 13 colegas, através de um polêmico e controverso telegrama num dia 24 de dezembro, véspera de Natal.
Hoje, em sonho, entrevistaremos a contrabaixista carioca Voila Marques.

Blog: Como foi para você ser demitida de uma orquestra na qual tocou por 19 anos?
Voila: Foi um baque muito grande, porque nada havia sido mencionado ou sugerido antes.
O maestro elogiou a orquestra pela temporada, teve festa de confraternização na terça-feira, e o telegrama chegou para 15 músicos no sábado, véspera de Natal.
Eu sustentava a minha casa com dois filhos pequenos. Minha caçula tinha 1 ano de idade e meu primogênito tinha 2 anos e meio. De uma hora para outra, fiquei sem 2/3 da minha renda mensal.
Blog: Você falou em 15 músicos. Não eram 14?
Voila: A lista original era de 15 músicos. Um deles foi tirado dela, provavelmente por saber de muitas coisas que não deveriam vir à tona, e o outro foi substituído, às carreiras, por outro músico, que foi demitido no lugar desse. Quem tem padrinho não morre pagão e não rima com demissão, não é?
Blog: Mas a orquestra pagou os seus direitos trabalhistas, não?
Voila: Sim, mas o que recebi de fundo de garantia foi pouco, porque o cálculo feito é proporcional ao salário e, por muitos anos, os salários estiveram baixíssimos. O dinheiro recebido foi embora em aluguel, latas de leite, fraldas, remédios, escola, planos de saúde e analista, entre outras contas.
Blog: Como você ingressou na orquestra?
Voila: Ingressei por concurso, mas como a orquestra é privada, qualquer músico pode ser mandado embora da noite para o dia, como foi o caso dos 14 músicos.
Blog: A que você atribui a sua saída?
Voila: Talvez a um pequeno atrito com uma pessoa de dentro da fundação, por causa de dois atrasos meus justificados, ou mesmo porque alguém poderia não ir com a minha cara, sei lá.
Deviam estar precisando demitir músicos para que uma suposta renovação da orquestra fosse visível pela mídia, e fui uma das escolhidas.
Tive dois atrasos: um quando precisei levar minha filha, então com 10 meses ao médico, a uma consulta de urgência, com uma alergia enorme e, com isso, cheguei a um concerto didático nos primeiros acordes da primeira música, o Hino Nacional.
O outro atraso -a um ensaio do naipe de cordas com o spalla da orquestra- aconteceu dois dias depois, devido à falta sem aviso da minha empregada.
Mais uma vez, esforcei-me para não faltar ao trabalho e cheguei ao ensaio, após três telefonemas dados à pessoa responsável pelo ponto da orquestra, com 50 minutos de atraso.
Nunca consegui entender os reais motivos das demissões, porque nada nos foi dito.
Só sei que continuaram na orquestra colegas que faltaram por motivos bem mais sem motivos que eu, e até colegas que chegaram bem atrasados a concertos de assinatura no Teatro Municipal, assim como continuaram na orquestra muitos colegas que tocavam bem menos do que alguns dos despedidos, entre outras coisas estranhas.
Blog: Os músicos da orquestra se mobilizaram contra as demissões?
Voila: Houve duas ou três assembléias no Sindicato dos Músicos, mas isso tudo aconteceu durante as férias orquestrais e a maioria dos músicos estava viajando. Nessa mesma época, os concertinos também perderam seus cargos remunerados e alguns chefes perderam a chefia de seus naipes.
Com isso, todos os músicos ficaram assustados e com medo.
Se colegas com muitos anos de orquestra podiam ser despedidos, se um chefe de naipe podia ser despedido, se colegas com poucos anos de orquestra podiam ser despedidos, se chefes de naipe e concertinos podiam perder cargos, então qualquer um poderia também estar na rua de uma hora para outra.
A orquestra ficou muito fragilizada, e cada um tratou de pensar em si. Para coroar de êxito as demissões, a fundação aumentou os salários dos músicos que continuaram na orquestra e nada mais se fez.

Blog: O que aconteceu com os músicos demitidos?
Voila: A maioria continuou a tocar em outras orquestras, mas três abandonaram a carreira e um virou alcoólatra.
Blog: Como você vê a recente situação dos 33 músicos demitidos da OSB por se recusarem a prestar concurso?
Voila: Da outra vez, despediram 14 músicos sem chances de concurso, no início das férias orquestrais.
Dessa vez, comunicaram a orquestra sobre um concurso, também no início das férias orquestrais.
A diferença é que agora a orquestra reagiu, até porque isso afetou todos os músicos.
Infelizmente, ainda não houve uma união da classe, mas o movimento foi um marco na história da orquestra.
Para que fazer um concurso sem objetivos de mudança de nível e sem clareza de objetivos, se todos os músicos ingressaram na orquestra mediante concurso?
Blog: Voila, conte-nos como foram os seus primeiros contatos significativos com o contrabaixo.
Voila: Minhas lembranças mais remotas são dos contrabaixistas tocando em pé nas orquestras de câmara, e eu sentindo pena deles, sem entender o porquê da “discriminação”.
O primeiro contato mais nítido que consigo me lembrar, foi assistindo a peça “Encadeamentos”, de Raul do Valle, com o Quinteto de Contrabaixos de Campinas, em 1980 e alguma coisa. Essa obra tinha também elementos cênicos e ver cinco contrabaixos bem graves, girando no palco, com jogo de luz em cima deles, foi algo bem marcante na minha vida.
O segundo contato marcante foi assistindo uma aula de contrabaixo do Sandrino Santoro, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando ele ainda era professor lá.
O Sandrino nesse dia estava eloqüente e muito eufórico com o contrabaixo e a aula que ele deu para os alunos foi maravilhosa. Apaixonei-me pelo contrabaixo e decidi ser contrabaixista a partir desse dia.
Quando telefonei para ele para comunicar a minha decisão, ele disse: “Contrabaixo? Que nada! Na semana que vem você muda pro violoncelo!”. Felizmente, como vidente, o Sandrino é um ótimo contrabaixista!
Eu também não posso deixar de mencionar as minhas primeiras aulas de contrabaixo.
Como eu não tinha experiência com instrumentos de cordas, perceber que a mão esquerda faz um movimento totalmente diferente da mão direita foi algo muito instigante. Vou fazer uma confissão bastante ridícula, mas vocês acreditam que eu achava que, ao escorregar numa mesma corda a mão esquerda da metade do braço do contrabaixo para trás, poderia chegar a uma nota mais grave do que a corda solta dessa mesma corda? (risos)
Blog: Você é baixinha. Isso foi um empecilho, uma limitação para você tocar o contrabaixo?
Voila: Meu primeiro mês de aulas foi sem espelho, porque na sala de aula não tinha um. A primeira vez que me vi frente a frente ao espelho com o contrabaixo não foi um choque. Pensei: “ele é grande, mas não tem nada de anormal nisso.”
Quando carrego um contrabaixo na rua, o máximo que pode acontecer é pensarem que o instrumento está andando sozinho, ou que a formiga está carregando o elefante.
Só ficaria um pouquinho mais feliz se tivesse dois dedos a mais de comprimento… do braço, para alcançar todas as notas agudas sem precisar ficar pendurada no instrumento.
Blog: E o fato de ser uma mulher contrabaixista? Você sofreu algum tipo de preconceito?
Voila: Penso que uma mulher resolver ser contrabaixista ainda pode ser encarado como uma mudança de costumes porque, mesmo isso sendo normal para as contrabaixistas, a quantidade de homens contrabaixistas é bem maior.
Na época que comecei a estudar contrabaixo, não havia mulher contrabaixista no Rio. Depois vieram, de Brasília, a Valéria Guimarães e a Zoraima Aleinfel e, de Minas, a Sônia Zanon. Todas já tocavam contrabaixo quando chegaram ao Rio. Por essa época e também antes de mim, outras contrabaixistas despontavam em outros estados do Brasil: Ana Valéria Poles, Gê Cortes, Ângela Bianchi, Maria Helena Salomão, Sônia Ray, Valerie Albright, Miranda Bartira, Ana Maria de Campinas, Renate, entre muitas outras.
Hoje em dia já há no Rio e em vários estados do Brasil muitas mulheres contrabaixistas, altas e baixinhas, gordinhas e magrinhas, etc, numa leva talentosíssima de jovens contrabaixistas como Larissa Coutrin, Mayra Pedrosa, Natália Terra, Lise Bastos, Manuela Freitas, entre muitas outras.
Penso que ser mulher não faz diferença nenhuma na hora de tocar contrabaixo, porque o mais importante para se tocar bem contrabaixo não é o sexo ou a opção sexual do contrabaixista.
Nunca sofri preconceito direto por ser uma mulher contrabaixista, mas sei que alguns pouquíssimos colegas ficaram com o pé atrás.
Para mim, o cúmulo do preconceito ficou registrado num elogio meio às avessas: um colega contrabaixista me contou que quando perguntaram para ele sobre a competência das mulheres contrabaixistas e alguém citou o meu nome, outro alguém disse: “A Voila? Ela toca que nem homem!” (risos)
Para ser contrabaixista não existem problemas quanto ao sexo, a cor, idade, tamanho ou classe social.
A idade é um fator limitante sim, mas não impeditivo.
E, quanto ao tamanho, existem vários modelos e tamanhos de contrabaixo e até contrabaixo para crianças. Se uma criança consegue estudar, por que um adulto não?
A classe social pode dificultar alguns acessos ao instrumento, mas existem muitos contrabaixistas que vieram de classes sociais menos favorecidas e nem por isso deixaram de ser contrabaixistas.
O mais importante para ser contrabaixista é a disposição e a garra para estudar, a capacidade de arranjar tempo para isso e de dividir esse tempo de forma útil, a flexibilidade para entender que a técnica, a interpretação musical e a personalidade do músico são baseadas em regras que podem ser mutáveis e que, tanto as regras quanto as mudanças, podem ser responsáveis por grandes saltos no instrumento. Esses saltos são muito mais importantes que os saltos altos, e são unissex!
E para se manter contrabaixista, o mais importante é ser humilde. Já vi muito contrabaixista cair do elefante…
Blog: Como você encara os colegas e as colegas contrabaixistas de um modo geral?
Voila: Encaro a todos como colegas e os respeito como colegas e como contrabaixistas, mas acho a classe de contrabaixistas muito desunida, no que diz respeito a assistir os colegas, a interagir com os colegas, a movimentar o ambiente contrabaixístico.
Sempre gostei muito de “muvuca” contrabaixística, de movimento, porque acho o meio muito parado.
Há alguns anos, organizei diversas masterclasses com grandes e talentosíssimos contrabaixistas, num projeto que nomeei de “Fala Baixo”.
Nunca ganhei nada financeiramente falando com isso e nunca quis, mas ganhei muita aporrinhação. O dinheiro da “entrada” era repassado integralmente para o contrabaixista convidado, mas eu passava dias atrás dos colegas contrabaixistas, que diziam que iam e na hora não iam, muitas das vezes para ficar em casa lagartixando na piscina, para depois ainda alegarem que haviam “se esquecido” do evento, como se houvesse um evento trimestral e esquecível desses toda semana.
Por uma merreca, era possível assistir uma masterclass do colega contrabaixista, ouvi-lo tocar e ainda conversar com ele por uma hora, no mínimo. Muitas desses eventos tiveram até quatro horas de duração
A freqüência média nas masterclasses era de 15 contrabaixistas, exceção feita à do contrabaixista alemão Gottfried Engels, em que foram 30, e à do contrabaixista russo Eugene Levinson, em que foram uns 45, mas acabei me cansando de levar esse projeto à frente.
Sempre achei que, tanto aqui no Rio quanto em cada estado, deveria haver uma associação local de contrabaixistas, com encontros mensais que poderiam ser feitos até na casa de alguém, com apresentações musicais, lanches, debates, etc, mas essa realidade está bem longe de acontecer.
No fim das contas, de um modo geral, parece que os contrabaixistas profissionais não têm interesse em trocar experiências contrabaixísticas com outros colegas, porque não têm tempo para isso. Interessante é que têm tempo para trocar hobbies…
E os estudantes de contrabaixo, de um modo geral, parecem não ter interesse em assistir eventos contrabaixísticos por achar que aprendem muito mais estudando, e que estariam perdendo tempo de estudo ao abrirem mão de umas poucas horas desse estudo para assistir masterclasses. Infelizmente, esses contrabaixistas não conseguem perceber o tempo de estudo que deixaram de ganhar não indo…
Nem mesmo os raríssimos recitais de contrabaixo que acontecem aqui no Rio contam com a presença significativa de contrabaixistas… Se aparecerem cinco contrabaixistas profissionais, por exemplo, o pobre contrabaixista recitalista já pode se sentir um privilegiado pelos Deuses Contrabaixistas, realizado pelas horas e horas de estudo gastas no Gradus e Parnassum.
Minhas maiores elucubrações contrabaixísticas sempre foram pós-masterclasses e pós-recitais, quando ficava pensando em como soava o vibrato daquele contrabaixista, no fraseado do outro e no tipo de som daquele outro contrabaixista.
Se os contrabaixistas fossem mais unidos, haveria mais descobertas, mais trocas e a vida contrabaixística seria bem mais interessante e menos monótona.
Blog: No episódio OSB, qual foi a posição dos colegas contrabaixistas na sua demissão e na demissão do contrabaixista Tarcísio José da Silva?
Voila: A Associação Brasileira de Contrabaixistas (ABC), através da sua presidente, a contrabaixista Sônia Ray, fez um manifesto que foi enviado para a sede da OSB. Esse manifesto foi assinado basicamente por contrabaixistas. Não me lembro quantas assinaturas foram. Foram poucas como um todo, mas se pensarmos na quantidade de contrabaixistas que assinaram, foi muito, embora não tenha sido representativo como um todo. Fiquei feliz com o manifesto, porque nessas horas o apoio faz toda uma diferença para quem está na situação, mesmo que ela não mude.
Eu não posso deixar de mencionar e agradecer o apoio da presidente da ABC e dos colegas contrabaixistas e não-contrabaixistas que assinaram o manifesto, assim como não posso deixar de mencionar e agradecer o apoio dos colegas contrabaixistas que escreveram no fórum contrabaixobrasil, como Antonio Arzolla (RJ), Sonia Ray (GO), Gael Lhomeau (RJ), Walter Schinke (RGS), Ricardo Vasconcellos (BSB), Maurício Souza (RGS), entre outros colegas, e agradecer também o apoio dos contrabaixistas Andrea Spada, Bruno Collyer e Valéria Guimarães. Todos os contrabaixistas da Orquestra Petrobrás Sinfônica (Jorge Soares, Ricardo Cândido, Saulo Bezerra, Gael Lhomeau, Tony Botelho e Sônia Zanon), foram sensacionais comigo e com o Tarcísio! Fiquei muito emocionada com o carinho contrabaixístico de todos eles e também com o carinho dos colegas não-contrabaixistas, como o Ricardo Resende, a fagotista Ariane Petri, o Mariano Gonçalves e a violinista Sônia Katz, entre outros.
Meus pais, minha família, meu irmão com a família dele e minha analista, aliados à minha total falta de experiência em qualquer outra coisa que não fosse tocar contrabaixo, foram essenciais para que eu não desistisse de vez de ser contrabaixista.
Blog: Você tem músicos na família?
Voila: Minha avó materna e minhas tias-avós eram musicistas amadoras e havia saraus na casa dos meus bisavôs, onde cada uma delas tocava um instrumento: violino, piano, alaúde… Não cheguei a conhecer essas performances, só as histórias de família mesmo.
Minha mãe sempre teve o lado artístico bem presente como artesã amadora, versátil e sazonal. Ora era decapê, ora caixas decoradas, ora colchas, etc. Ela chegou a aprender um pouco de piano, mas eu também só a vi tocar o bife com batata. Além de afinadíssima, ela tem uma voz bem aguda e muito bonita, mas canta pouco, talvez por herança da minha avó que, mesmo tendo sido musicista, achava que cantar era para ser feito bem baixinho, para “ninguém ouvir”.
O lado artístico do meu pai era neto de um pintor famoso e irmão de uma escritora também famosa, todos de Sergipe, mas meu avô não o deixou ser músico. Meu pai queria ser violonista, mas para meu avô música era “coisa de vagabundo”, e meu pai se tornou um músico interior: assovia bem, canta bem, batuca bem, tem um ritmo incrível, mas não toca nada. Meu pai sempre escreveu muito bem e sempre foi um ótimo apreciador e observador das artes, mas com o avançar da idade, ele fez as pazes com a arte que ele sempre carregou e sufocou dentro de si, e passou a pintar.
Todo o meu repertório e o pouco de música popular que corre pelas minhas veias devo a ele e à minha mãe, que sempre ouviram muitos discos e, vez por outra, ainda dançavam na sala. E bem.
Acho que fizemos todos uma troca nessa vida: meus pais são músicos “frustrados” e eu sou uma dançarina frustrada. (risos)
Mas como dançarina frustrada sou uma contrabaixista feliz com meus pais, que sempre me apoiaram na música e fora dela, e isso não é pouco. Tive muitos alunos que desistiram do contrabaixo por falta de apoio da família, que os queria médicos e advogados… O maior inimigo do futuro contrabaixista, depois dele mesmo, é a família dele. E se o infeliz ainda tiver um maestro na família, aí a desgraça é completa. (risos)
Blog: Qual a relação dos seus filhos com o contrabaixo e a Música?
Voila: Meus filhos sempre conviveram com música em casa, porque o pai deles é um excelente violonista de música popular e um cantor de voz lindíssima.
Quando eles eram pequenos, sentavam no meu colo para “tocá tabaixo” e, vez por outra ainda fazem isso.
Eles também gostam de me ouvir cantar canções folclóricas, me pedem para tocar contrabaixo para eles dormirem e ainda se convidam para estudar comigo. (risos)
Para a peça de teatro que estou tocando, passei a estudar com os dedos (pizzicato) para ter calos, já que quase não faço uso do arco nela. Eu estava estudando no quarto, quando meu filho chegou:
“- Mãe, eu não to ouvindo nada do que você tá tocando lá na sala!
– Sim, querido, é porque a mamãe está tocando só pizzicato, sem o arco.
Ele sai e volta com o arco:
– Trouxe para você tocar!”
Penso que um esporte e uma atividade artística são essenciais na formação de uma criança, porque mesclam o lado lúdico, a criatividade, a concentração, a socialização e a disciplina, e ampliam o conhecimento de si mesmo e o respeito ao próximo, além de facilitarem o aprendizado escolar e as relações familiares.
Meus filhos podem não seguir a carreira musical ou artística, por opção pessoal, mas sempre serão artistas especiais por dentro e filhos de artistas por fora.
Esse lado artístico é natural neles e lutar contra isso será algo muito doloroso. Espero que eles consigam reservar um espaço para a arte na vida deles, mesmo que não seja profissionalmente.
Quando se sufoca a arte que há dentro da gente, um dia ela sempre eclode, nem que seja nos momentos mais grisalhos da vida.
Blog: Por que você escolheu o contrabaixo?
Voila: Não sei. Já me fiz essa pergunta muitas vezes e nunca achei uma resposta convincente. Prefiro pensar que era um caminho para ser trilhado.
Freud deve explicar o porquê de eu escolher um instrumento que nas minhas lembranças mais remotas eu sentia pena, que é tão maior do que eu, que quando eu carrego quase me achata, e que quando toco consigo me esconder atrás dele. Se correr o bicho me pega, se tocar o bicho, ele some comigo.
Blog: Qual a emoção que o contrabaixo te traz?
Voila: O contrabaixo me traz uma mistura de emoções que começa quando consigo entender o que sinto e transmitir esse sentimento no instrumento para mim mesma.
Penso que o contrabaixo é um instrumento de som muito grave e que se não conseguimos torná-lo interessante, ele dá sono, tanto em quem o escuta como em quem o toca.
Claro que é quase impossível tocar tudo absolutamente expressivo, até porque na maioria das vezes somos responsáveis pelo chão orquestral, pela base da harmonia, e é nesse tapete que passarão as estrelas com seus solos e, algumas com estrelismos também.
Mesmo assim, temos que estar preparados para os momentos expressivos e essa disposição precisa sair de nós mesmos para se encontrar com os nossos colegas e chegar aos ouvidos do público.
Já assisti grandes músicos tocarem pessoalmente: Isaac Stern, Nelson Freire, Mstislav Rostropovich, Paul Tortelier, Antonio Menezes, Gary Karr e muitos outros.
Posso dizer que a emoção de ouvi-los é quase que uma oração, um respeito, um ritual. Por mais estranho que possa parecer, tocar com esses músicos e/ou ouvi-los tocar é um momento de silêncio interno meu.
Quando a música me diz muito ou tudo, a emoção é silenciosa.
Essa mesma emoção também sinto ao tocar o Pássaro de Fogo, de Stravinsky, que foi a primeira peça que toquei ao entrar para a OSB. Durante os 19 anos em que fiquei nela, sempre me emocionei com essa obra, a despeito de, no naipe de contrabaixo, o Pássaro de Fogo passar a ser chamado de urubu chamuscado nos ensaios, e render boas risadas com isso.
Blog: Quais foram as suas maiores emoções contrabaixísticas pessoais?
Voila: Tive alguns momentos muito emocionantes e chorei por todos eles…
As primeiras emoções foram por causa de pessoas que choraram ao assistir os meus dois solos de contrabaixo com a Orquestra Sinfônica da UFRJ, quando toquei os concertos de Cimador e do Dragonetti, respectivamente, e o meu recital de formatura na UFRJ. As primeiras lágrimas contrabaixísticas a gente nunca esquece…
Em 2008, quando fui convidada pela contrabaixista Sônia Ray para dar uma palestra no VII Encontro Internacional de Contrabaixistas da Associação Brasileira de Contrabaixistas, ouvi dela as seguintes palavras:
“- Voila, eu te vi tocando a Canção e Dança, do Radamés Gnatalli, para o Gary Karr, naquele primeiro Encontro Internacional de Contrabaixistas, numa época em que ninguém tocava essa peça. Você se lembra do que o Gary te disse?
– Não…
– Que você era uma “natural performer”, Voila! Sei que você está passando por momentos difíceis, mas o seu talento é seu e ninguém pode tirá-lo de você!”
Em 2007, fiz um curso com o grande contrabaixista Tibô Delor. Quando abri o encarte do CD dele que comprei, vi a singela e delicada dedicatória escrita com caneta azul: “Para Voila, que toca tão bonito…”
Em 2009, após a minha aprovação num concurso para orquestra, ouvi dois contrabaixistas membros da banca examinadora me dizerem que a minha prova havia “surpreendido a banca”, não porque me faltasse talento, mas porque eles jamais poderiam imaginar que eu pudesse fazer uma prova daquele nível, com a vida atravancada que eu levava.
Blog: Quais foram as suas influências?
Voila: Sandrino Santoro, um grande mestre italiano, naturalizado brasileiro, e um contrabaixista apaixonado pelo contrabaixo, um entusiasta, dono de um som lindo e das mãos contrabaixísticas mais bonitas que já vi.
Tive a grande honra de ter o Sandrino como meu primeiro professor de contrabaixo. Com ele aprendi muitas coisas, entre elas, que às vezes é preciso chegar ao extremo oposto do problema técnico, para se alcançar um meio termo. Por exemplo: para um vibrato feio, passar algum tempo sem fazer vibrato, para depois recomeçar o estudo com o vibrato bem lento e com ritmo, ajuda a “desconstruir” o problema, a entender melhor uma nova concepção de vibrato e a alcançar um vibrato mais “digerível”.
Uma mão direita muito caída para a direita, por exemplo, pode melhorar depois de se passar algum tempo “forçando” a mão para a esquerda. Cansa tanto, que terminamos por conseguir deixá-la no meio. (risos)
Outra coisa que aprendi com ele, foi que parar um pouco a técnica para pensar em música é algo muito saudável, mesmo para quem é iniciante no instrumento.
No mais, tem um dia no ano em que acho a minha mão direita parecida com a dele – embora já tenha ouvido de uma grande violinista brasileira que a minha mão direita é mão de violinista- e passo os outros 364 dias do ano ou tentando descobrir o segredo das mãos dele ou maldizendo as minhas mãos magras e feiosas, com veias azuis saltitantes, até me conformar com o fato de que somos o que somos e que não há cirurgia plástica para algumas coisas;
Antonio Arzolla, um grande mestre brasileiro e um contrabaixista especial, dono de um vibrato lindo, de um som lindo, de uma interpretação apurada e de uma precisão impressionante.
Tive a também grande honra de ter o Arzolla como meu segundo professor de contrabaixo. Com ele, aprendi que nada é feito ao acaso no contrabaixo. Se você achou que aquele resultado musical foi ao acaso, repita e tente entender o que aconteceu.
Com ele também aprendi que o contrabaixo pode ser um instrumento interessantíssimo, que não fica nada a dever a muitos outros instrumentos.
O Arzolla dizia que se eu estudasse mais, conseguiria tocar melhor do que ele. Nunca consegui comprovar essa suposição, mas devo a ele grande parte do que sei sobre interpretação, variantes de timbres e climas na música.
Ele finaliza todas as minhas dúvidas sobre vibrato, porque sei que existe um exemplo, um modelo a seguir. Aí passo a minha vida contrabaixística tentando entender como ele chegou a um vibrato tão característico e bonito. Ainda não cheguei a uma conclusão sobre isso.
Uma vez eu estava sentada no último andar de uma sala de concerto, quando ouvi um violoncelista tocando. Primeiro pensei: “Nossa, que som lindo!”. Logo depois, resolvi prestar mais atenção à execução e pensei: “Engraçado, esse violoncelista tem o vibrato do Arzolla!”. Aí olhei para baixo e vi que era ele mesmo, brincando de tocar violoncelo…
Existem músicos que carregam o talento e a sua personalidade para qualquer instrumento. O Arzolla é um deles, pois também toca muitíssimo bem piano e órgão.
Quando fui obrigada a fazer dois períodos de piano na universidade, a professora dizia que o meu toque era muito bonito para quem não sabia nada de piano. Tenho a memória auditiva do som que o Arzolla tirava ao piano e acho que isso fazia toda a diferença na hora das minhas aulas de piano. Já que eu não ia tocar piano mesmo, pelo menos tirar um som mais agradável me dava um alento, uma disposição para aguentar as aulas.
Wolfgang Guttler, um grande mestre romeno, que reside na Alemanha, e um contrabaixista dono de um sonzão incrível, com um talento natural para fazer de qualquer caixote de bacalhau um contrabaixo de primeira linha, e que interpretação!
O Guttler foi o contrabaixista que dividiu as minhas fases contrabaixísticas em antes e depois dele.
Com ele aprendi que a disciplina é essencial na hora de estudar e que a concentração é um dos grandes trunfos de quem quer ser contrabaixista.
Ele é um contrabaixista com um excelente senso de humor, e a aula que ele deu para um contrabaixista, de duas horas seguidas, sobre afinação, num sábado após um tremendo rodízio de churrasco, em que ele comeu assombrosamente, foi uma prova da grande concentração dele, e uma tremenda provação para nós, mortais contrabaixistas, que assistimos a aula completamente estarrecidos e empanturrados.
Hans Roelofsen, um grande mestre holandês, e um contrabaixista refinadíssimo, muito observador e inteligente, dono de uma interpretação linda, especialmente de música antiga.
Com ele, aprendi a respeitar os meus limites físicos, pois tive aulas com ele numa época pessoal difícil e de muitas tendinites nos cotovelos.
Nunca me preocupei em aprender a usar o pesado arco que ele usa, nem mesmo a usar constantemente o dedilhado 1-2-3-4 como ele usa – e ele também nunca tentou me ensinar isso-, porque prefiro o som do arco de peso normal e porque não tenho a mão e os dedos compridíssimos que ele tem. Preferi me ater à interpretação e aprendi muito sobre acabamentos, estilos e timbres com ele.
Aprendi também muito com a dedicação quase obsessiva dele em fazer com que determinado tipo de som fosse tirado, em entender o porquê de determinado problema surgir e com a agilidade em que pensava numa solução.
Mas uma das coisas que mais me impressionou nele foi a capacidade dele de entender o momento emocional do aluno somente através da música e o respeito que ele tinha por esse momento emocional do aluno, fazendo-o esquecer as coisas ruins para pensar nas coisas boas que o contrabaixo pode transmitir e proporcionar.
As aulas dele duravam o dia inteiro, e ele parecia que só pensava em contrabaixo mas, surpreendentemente, ele tinha uma noção completa e silenciosa do que estava acontecendo à sua volta. Para ele, a música não é só uma arte, uma ciência ou uma linguagem; é um idioma, um sexto sentido.
Esses são os contrabaixistas com quem passei mais tempo, mas assisti recitais e masterclasses de muitos outros, e cada um me impressionou a seu jeito: Franco Petracchi, Eugene Levinson, Miroslav Gajdos, Massimo Giorgi, David Murray, Edwin Barker, Jean-Marc Rollez, Ricardo Cândido, Tibô Delor, Tony Botelho, Thomas Martin, Thierry Barbé, Diana Gannett, Kristin Korb, Jeff Bradetich, entre muitos outros.
Blog: Recentemente, você começou a tocar numa peça de teatro. Como está sendo isso?
Voila: Esse está sendo um trabalho muito diferente do que costumo fazer, porque sou uma contrabaixista de música erudita, arco e orquestra. Tenho experiência como camerista e como solista, mas atuo há mais tempo como musicista de orquestra e professora.
A peça de teatro apareceu numa época de poucas opções fora de orquestra, já que os cachês escassearam bastante nos últimos anos aqui no Rio, e graças à indicação da Edna e do Paulo Gomes, do Ateliê de Luteria Paulo Gomes.
Felizmente, não sou a única instrumentista que teve a chance de recorrer a outras opções, como o teatro ou musicais.
Recentemente, soube de um grande contrabaixista brasileiro que também partiu para essa nova linha quando a situação financeira apertou, e me senti mais segura para falar dessa nova experiência depois disso.
Como a maioria dos músicos de orquestra, sou viciada em partituras e quase surtei quando me chamaram para esse trabalho sem partituras e sem cifras, com um DVD editado e um prazo limitadíssimo para a estréia aqui no Rio. A peça vinha de uma boa temporada em São Paulo e, para resumir, tive um ensaio com o elenco e no dia seguinte foi a estréia. E o pior: tocar tudo de cor! Mas sobrevivi e, passado o susto, passei a me divertir com a peça também.
As músicas foram compostas especialmente para a peça. A formação é um trio de mulheres musicistas (teclado, contrabaixo e bateria), e quase tudo é tocado com os dedos e não com o arco. Para isso, criei meus calos sem bolhas, com muito cuidado.
Continuo sendo uma contrabaixista de erudito, mas agora engano tocando música latina, samba, funk e jazz (risos) e, de quebra, ainda faço algumas caretas em cena, já que há uma boa interação da banda com os atores.
A música popular me permitiu uma descontração física que os clichês eruditos não permitem demonstrar. Na peça posso sorrir, dar piscadelas para as musicistas, tocar com o pescoço virado para acompanhar a cena, coisas improváveis de acontecerem num concerto tradicional. Isso sem contar a chance de ver o público cara a cara de três a quatro vezes por semana, coisa que sempre fiz com a cara enfiada na partitura.
Ah, e mais a chance de tocar com o contrabaixo amplificado e com caixa de retorno, algo muito comum para quem não toca só o erudito, mas quase um bicho de sete cabeças para a criatura acústica aqui.
O repertório é bem simples e a linguagem para quem toca esse estilo de música não tem mistério, mas para quem, como eu, nunca tocou isso na vida, tudo está sendo uma grande escola.
Blog: Como surgiu a idéia das “Orientações contrabaixísticas”?
Voila: A idéia surgiu quando a Luana contrabaixista de São Paulo doou para mim a comunidade “Mulheres no contrabaixo”, no Orkut.
Durante os quase dois anos em que fiquei com a comunidade, passei a receber muitas mensagens com perguntas sobre o que fazer, como tocar contrabaixo, etc, e vi que muitos contrabaixistas não tinham acesso a nenhuma informação sobre o contrabaixo, seja porque moravam muito longe, seja porque não tinham professor.
Tive uma boa formação contrabaixística e acho que posso passar as lições que me foram transmitidas por professores e as que eu “compilei” ao longo da minha vida contrabaixística para os colegas que não têm essa oportunidade. Quem lucra com isso é o instrumento.
Depois, passei a pensar que a carência de material sobre o contrabaixo em Português é enorme e que ninguém é dono da verdade, ou seja, que eu também poderia escrever para colegas que têm formação e professores, porque isso é uma troca de experiências.
Vários contrabaixistas que estiveram no Brasil se surpreenderam com o nível técnico e musical dos contrabaixistas brasileiros com quem tiveram contato. Precisamos lutar pela melhoria da classe.
Estamos no século XXI. Não podemos deixar o contrabaixo ser tocado e/ou aprendido de qualquer jeito, sem fazer nada por isso.
Estou tentando fazer a minha parte escrevendo. Muitos estão tentando fazer isso dando aulas, outros tentam tocando, outros estão gravando CDs. O que importa é que cada um ache o seu jeito de melhorar o nível dos contrabaixistas e não só a si mesmo, embora a busca pela melhoria técnica e interpretativa seja constante na vida de cada músico.

Blog: Quais são as suas outras artes?
Voila: Adoro escrever textos, cozinhar e cantar!
Tenho um monólogo, um conto infantil e uma peça teatral para adolescentes e adultos. Todas essas obras têm o contrabaixo como personagem principal. Espero um dia ver ao menos uma dessas peças sendo encenada.
Como contrabaixista dublê de cantora fiz três shows, mas precisei parar por falta de grana para investir na carreira de cantora, que requer preparação vocal, ensaios, etc. Meu pai é ateu, mas diz que minha voz é um dom divino. Suspeito isso, não é? Mas tenho uma grande extensão vocal: mais de três oitavas e sou um soprano bem agudo.
Quando dei aulas de teoria musical num morro do Rio, para uma turma de 20 adolescentes entre 12 e 17 anos, precisei mais da minha voz do que de qualquer outro recurso. Quando a bagunça estava insuportável, eu perguntava se a turma gostaria de me ouvir cantar na terceira oitava. Como o teto da sala de aula era baixo, os meus agudos ficavam ensurdecedores. Aí, todos ficavam quietinhos, para não precisarem ouvir a minha performance esganiçada especialmente para a ocasião, e eu continuava a minha aula tranquilamente. Professor tem que ter pulso firme e voz firme, senão já era.
Meu contato com a culinária é bem antigo. Minha família era cobaia das minhas experiências desde que eu tinha 11 anos. Meu pai ainda tem na memória a lembrança do dia infeliz em que criei um arroz com tanjal. Há pouco tempo, vi que um chef famoso criou um arroz com tanjal também. Como quase todos os precursores de coisas novas, fui uma incompreendida na época (risos).
Já fiz muitos doces e salgados para fora. Minha leitura culinária é melhor que a leitura musical. (risos) Leio uma receita e sei se é boa ou ruim e, pelas proporções, vejo se vai dar certo ou não, se vai ficar doce demais ou não, se posso fazer alterações para deixar o resultado mais macio, mais crocante, etc.
Meu colega contrabaixista e também aficionado por culinária, Saulo Bezerra, um dia me disse que se eu abrisse um restaurante ficaria rica. Ele tem uns pepinos agridoces sensacionais e, vez por outra, trocamos pelos meus biscoitos de aveia, mas o meu calote é sempre maior do que a troca.
A receita original desses biscoitos é do meu avô, não da minha avó. O Saulo já tentou várias vezes fazê-los, mas ainda não descobriu o segredo desses biscoitos, porque essa é a única receita que não passo (risos).
Blog: Você também tem segredos no contrabaixo que não passa adiante?
Voila: Ser contrabaixista é ser uma pessoa multifuncional, e todas as funções necessárias para se tocar são misturadas entre si: peso do corpo, velocidade do arco ou das mãos, o ponto onde se tira o som, a qualidade do instrumento e do arco, facilidade para ler ou para tirar de ouvido a música, capacidade para aplicar o que foi aprendido em outras situações, a busca constante pela exteriorização do som interno, do timbre musical, que cada instrumentista tem dentro de si, a quantidade de adrenalina e de emoção do momento da execução, etc.
Por causa disso, sempre vai haver quem considere haver segredos, mas na realidade não são segredos: são combinações matemáticas e físicas ainda não compreendidas ou não desenvolvidas, que dão a singularidade a cada músico e que eternizam em nós muitas das performances musicais…
Blog: Você já pensou em ser compositora?
Voila: Não. Compus duas músicas na vida: uma aos 14 anos, para um festival de música da minha escola, e a outra para espairecer um momento difícil.
Prefiro gastar minha criatividade nas interpretações. Interpretar não deixa de ser uma criação, só que de nuances.
Atualmente, fico feliz por ter feito o solo de contrabaixo que tem na peça de teatro, a partir das cifras que me foram dadas.
Os compositores da trilha, Elaine Giacomelli e Eduardo Contrera, me deram liberdade para fazer o solo a meu modo, diferente do que a contrabaixista paulista Clara Bastos fazia e, felizmente, também gostaram do resultado carioca.
Blog: Como é o seu trabalho de interpretação das músicas?
Voila: Penso que toda música tem algo a dizer ou a ser transmitido e que, como músicos, somos responsáveis por essas mensagens e intermediários das sensações que elas passam.
Um mesmo trecho musical pode ser transmitido e tocado de diversas formas.
Se tocado de forma suave e entrecortado de pausas, pode dar a sensação de cautela, medo, etc;
Se tocado de forma suave e com pouca expressão, pode transmitir introspecção, meditação, etc;
Se tocado de forma suave e com mais expressão, pode sugerir religiosidade ou um pedido, etc;
Se tocado de tocado cheio de crescendos e decrescendos, pode sugerir algo mais caricato, ou mais expressivo, ou mais ansioso, etc;
Se tocado mais forte e sem expressão, pode sugerir uma ordem, uma dor mais dilacerante, etc;
Se tocado mais forte e com muita expressão, pode transmitir uma paixão, um grande amor, etc.
Penso nas frases musicais como uma história, com início, desenvolvimento, clímax e fim.
A pessoa pensa, fala, fica na dúvida, reafirma o que falou, parte para a ação, faz, fica feliz ou não com o resultado e repensa, até chegar a um final feliz, triste ou esperançoso, etc.
Mesmo o contrabaixo não sendo uma voz ou um violino, ainda assim é possível deixá-lo expressivo dentro dos recursos que ele oferece.
Para isso, é necessário primeiro ter a idéia e a estrutura do que vai ser feito na cabeça, porque o que não está na sua cabeça não vai para os seus dedos e menos ainda para o coração dos outros.
Depois, é preciso usar os recursos de expressão: vibrato e as variantes de pressão, velocidade e ponto de contato do arco, que fazem as dinâmicas acontecerem ou não no contrabaixo. Essas dinâmicas, que vão do fraco ao forte, do doce ao agressivo, do sibilante ao incisivo, é que fazem toda expressão da música.
Blog: E quais são os seus planos e projetos?
Voila: Sou uma verdadeira arquiteta, especialista em projetos de gaveta. (risos)
Além das peças teatrais, do extinto Fala Baixo e dos projetos de shows, tenho planos de continuar um projeto de entrevistas contrabaixísticas, que parei por falta de quórum dos membros da comunidade de contrabaixo do Orkut, talvez agora num blog.
Tenho também o projeto de um encontro de contrabaixistas aqui no Rio que, na época, foi aprovado com muito entusiasmo pelo então decano de uma grande universidade, mas que eu tive que parar na gravidez de alto risco do meu filho. Ele nasceu prematuro de sete meses e o projeto não nasceu até hoje. (risos)
No mais, minhas atenções agora estão voltadas para o término do meu livro sobre orientações contrabaixísticas, que terá um DVD de aulas iniciais de contrabaixo, além de um pequeno compêndio de exercícios técnicos.
Blog: Como você se vê como professora de contrabaixo?
Voila: Dou aulas de contrabaixo para os níveis básico e técnico em uma escola de música do governo.
Os alunos que procuram a escola, de um modo geral, têm um sonho de serem músicos e uma realidade sócio-econômica que faz de tudo para destituí-los desse sonho.
Esse tipo de público é bem diferente de quem entra para cursar contrabaixo numa universidade, porque depois do teste de habilidade específica no instrumento e do estresse do vestibular, o aluno realmente já decidiu o que quer ser e fazer.
Antes disso, normalmente o aluno ainda está testando as opções para decidir se vai mesmo ser contrabaixista depois, e é aí que eu me encontro.
Já fui uma professora mais dedicada, com vários projetinhos em sala de aula e fora dela, mas com a chegada dos meus filhos e da idade, me tornei uma professora mais seletiva. Não tenho mais paciência com aluno que não quer estudar. Já tive muita. Tive um aluno que passou dois longos anos sem ter um contrabaixo em casa e sem estudar no da escola um diazinho sequer. Um dia, cansei e deixei o bonitinho estudando na hora da aula e fui tomar um café. Foi a única vez que ele estudou e também a última que apareceu na escola.
Sou uma pessoa muito crítica e observadora. Se por um lado isso é bom, também é perigoso porque pode desestimular os alunos, já que a proporção entre coisas a consertar é sempre bem maior que a de coisas a serem mantidas.
Felizmente, a teoria da evolução do Darwin também se aplica à sala de aula: a seleção natural tarda, mas só continuam contrabaixistas aqueles que têm condições de se desenvolver.
Blog: Como você vê o seu futuro contrabaixístico?
Voila: O futuro é uma coisa que o músico não costuma pensar, mas que deveria ser encarado de forma mais contundente e responsável.
Assim como a medicina preventiva deveria ser levada mais a sério, assim como todas as empresas deveriam preparar previamente os seus funcionários para a chegada da aposentadoria, os músicos deveriam se preparar e/ou serem preparados para a aposentadoria, ou mesmo para a hora de parar profissionalmente de tocar.
Tenho um colega violista que um dia me disse que estava estudando Direito, porque ele não conseguiria ser músico de orquestra a vida inteira, já que a velhice chegaria e os trabalhos em orquestras escasseariam.
Sim, não se fala nisso, mas há uma “diferenciação etária” na hora de ser chamado para cachês. Há preferência por jovens músicos e por músicos maduros, mas não por músicos da terceira idade.
Nas orquestras, muitas das vezes os músicos idosos vão sendo colocados nas últimas estantes até que a aposentadoria ou a morte os leve de vez da orquestra. Se eles saem pouco antes disso ou logo após se aposentarem, dificilmente serão chamados para fazer cachês em orquestras. Quando muito, eles serão chamados para tocar em cerimônias de casamento, trabalho esse que é muito desqualificado, com raras exceções.
A grande maioria dos músicos apresenta algum problema de coluna que se intensifica com a chegada da terceira idade, devido tanto à postura ao instrumento, quanto ao sedentarismo das horas de estudo e/ou trabalho com o instrumento, sem nenhuma prática de atividade física regular.
O contrabaixista precisaria pensar primeiro no seu futuro físico, porque sem exercícios físicos regulares será muito difícil chegar à terceira idade carregando um contrabaixo- e muitas das vezes subindo escadas com ele- que pode pesar entre 11 e 14 quilos.
Depois, seria preciso pensar se há alguma outra solução em que não houvesse tanta necessidade de locomoção com o instrumento. Dar aulas, fazer pequenos reparos em instrumentos, por exemplo, ou mesmo procurar um emprego ou profissão alternativos.
Penso no meu futuro dando aulas e escrevendo sobre o contrabaixo.
Gostaria de dar aulas esporádicas, tipo masterclasses porque, com a idade, a minha paciência para aturar os problemas musicais e contrabaixísticos dos alunos regulares, com certeza, não será mais a mesma.
Blog: Quais os seus dois grandes sonhos?
Voila: Um dos meus grandes sonhos é fazer um blog!
Ah, e eu também gostaria muito de fazer…
O despertador toca.
Acordo do sonho sem saber o que mais eu gostaria de fazer.
E agora?… Merda!

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Orientacoes Contrabaixisticas by Voila Marques is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas License.

-Posso comer doce antes do jantar, mãe?
– Não, meu filho.
– Por quê?
– Porque você sabe que aqui em casa não se come nada antes do jantar, nem do almoço para não perder a fome.
– Ah, mãe!
– Ah, não! Cada casa tem as suas regras e essas são as regras daqui de casa!
Ele vai tomar banho. Sai enrolado na toalha e diz:
– ô mãe, agora repete comigo: suas regras são i-nú-te-is, entendeu?
(meu filho, aos 7 anos)

– Mãe, compra esse chocolate?
– Hoje não.
– O meu pai nos dá esse chocolate quando é dia de doce e também quando não é dia de doce!
(minha filha, aos 5 anos)

Durante o banho, a esponja cai no chão.
– Pega a esponja prá mamãe, por favor, querido?
– Você precisa deixar de ser preguiçosa! Tudo eu! Tudo eu!
– Você toca na orquestra para a sua mãe?
– Não.
– Dá aulas de contrabaixo para a sua mãe?
– Não.
– Faz o café da manhã para a sua mãe?
– Não.
– Dá banho na sua mãe?
– Não.
– Pois a sua mãe dá banho em você, faz o seu café da manhã, toca na orquestra e dá aulas para ter dinheiro para comprar as coisas para você! Portanto, preguiça não é a mãe!
(meu filho, aos 7 anos)

E o teste de Português da escola chega em casa…

1) Responda conforme o texto:
a) Dê o diminutivo da palavra sublinhada.
Resposta: sublinhadinha
(meu filho, aos 6 anos)

“Ô mãe, foi sem querer! É que a minha mão “extrapolou” e o vaso de flores caiu!”
(meu filho, aos 7 anos)

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