Infelizmente, não pude estar presente ao IV EIC – MRM 2013, mas me senti orgulhosa de ser contrabaixista com o evento profissionalíssimo, representado por expoentes do contrabaixo, e com essa reportagem que coloco aqui para vocês.

Não é todo dia que temos encontros de contrabaixo, assim como não é todo dia que temos uma reportagem – e muito bem escrita – sobre o nosso amado, idolatrado, salve, salve, contrabaixo!

Reportagem retirada do site da Revista Ciência Hoje.
Texto escrito por Célio Yano e publicado em 19/06/2013.
Cópia autorizada e agradecimentos contrabaixísticos do blog ao repórter Célio Yano e ao professor de contrabaixo Alexandre Ritter (UFRGS).

“A hora e a vez do contrabaixo

Instrumento responsável por dar base harmônica e rítmica às músicas vira protagonista em encontro internacional. Sucesso do evento evidencia evolução na formação de músicos brasileiros.

Por: Célio Yano

Detalhe de contrabaixo. Instrumento mais grave da família das cordas começou a ganhar atenção em execuções solo. (foto: Maja Fabczak/ Sxc.hu)

Era noite de sábado, e o pequeno auditório de cerca de 300 lugares estava completamente lotado. No palco, o canadense Joel Quarrington, considerado um dos maiores contrabaixistas da atualidade, executava quatro obras – duas delas, de Tomas Oboe Lee e Manning Sherman, em estreia mundial. O recital, gratuito, encerraria o último dia do IV Encontro Internacional de Contrabaixistas.

Não foi na Itália, Alemanha ou Áustria. O evento, dedicado exclusivamente ao instrumento mais grave da família das cordas, foi organizado pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ocorreu em Porto Alegre no início de maio passado. Estaria fadado ao fracasso se tivesse sido realizado cerca de duas décadas atrás. Seu sucesso tem a ver com o momento específico por que passa o contrabaixo acústico no cenário musical do país do samba.

“A maneira como a performance dos contrabaixistas brasileiros evoluiu na última década impressiona”, diz Maria Helena Salomão, professora do instrumento na Escola de Música e Belas Artes do Paraná e chefe do naipe de contrabaixos da Orquestra Sinfônica do Paraná.

“Levou muito tempo para o Brasil entrar no eixo”, afirma a contrabaixista, que dá aulas há dez anos e fez recentemente uma pesquisa sobre a formação de contrabaixistas no país. “É preciso lembrar que o Brasil era escravocrata até 1888, o que significa que o ensino de música só começou a se democratizar a partir da última década do século 19.”

Alexandre Ritter (à direita) e seu convidado de honra no IV Encontro Internacional de Contrabaixistas, o canadense Joel Quarrington. (foto: Rodrigo Soares Paim/ Instituto de Artes da UFRGS)

Como o violino e o violoncelo, o contrabaixo é composto por cordas que podem ser friccionadas por um arco ou dedilhadas. Mas sua exata origem ainda é tema de debate. As medidas não seguem as proporções do violino e do cello, e o contrabaixo é o único do naipe de cordas de uma orquestra a ter afinação diferente, o que sugere ser descendente de outro cordofone, a viola da gamba. Seu aparecimento remonta ao século 15 e foi criado originalmente para reforçar a melodia mais grave das polifonias, geralmente dobrando a melodia do violoncelo (uma oitava abaixo).

Formação de contrabaixistas

O primeiro curso de graduação em contrabaixo acústico no Brasil foi criado apenas em 1965, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De lá para cá, o país passou a contar com pelo menos 11 bacharelados com habilitação no instrumento, segundo dados preliminares do levantamento informal feito por Maria Helena Salomão. “Agora é que começa a haver mais oportunidades, mas ainda há um atraso muito grande do Brasil em relação a outros países”, diz a pesquisadora.

Salomão: “Agora é que começa a haver mais oportunidades, mas ainda há um atraso muito grande do Brasil em relação a outros países”

“Nossa realidade é outra”, concorda Alexandre Ritter, professor na UFRGS e coordenador do encontro realizado na universidade. “Nos Estados Unidos, as crianças começam a aprender música na escola”, exemplifica. “No Brasil, temos alunos que ingressam no bacharelado apenas com noções do instrumento”. Só há menos de dois anos entrou em vigor a lei 11.769, de 2008, que estabelece o ensino obrigatório de música no ciclo básico.

A melhora no acesso à formação de contrabaixistas no Brasil acompanha uma tendência mais ampla do instrumento. Desde a década de 1940, o contrabaixo acústico vem ganhando de forma significativa repertório para execução solo, deixando com mais frequência a responsabilidade, outrora única, de dar base rítmica e harmônica às composições.

Esse movimento acabou por levar a alterações na conformação física do instrumento. Nos contrabaixos modernos, o corte dos ombros desceu, permitindo ao músico alcançar notas agudas com mais facilidade. As cordas, mais finas e leves, também estão mais próximas do espelho [peça contra a qual as cordas são pressionadas durante a execução do instrumento]. Compositores consequentemente estão mais interessados em criar peças exclusivas para o instrumento. “É a era do contrabaixo”, define Ritter.

Master classes

Fatores como esses explicam a apresentação respeitável de um jovem de 15 anos em uma master class do encontro de contrabaixistas da UFRGS. Por causa do tamanho – aproximadamente 1,80 m de altura –, o contrabaixo acústico em geral só começa a ser praticado por pré-adolescentes, em média a partir dos 14 anos. No encontro de Porto Alegre, predominaram músicos da faixa dos 20 aos 30 anos.

Como o nome sugere, master class é uma aula especial, dada por um especialista. No evento da UFRGS, os alunos tinham 20 minutos para subir ao palco do auditório do Instituto de Artes e apresentar uma peça, a sua escolha. Diante dele, uma plateia composta apenas de contrabaixistas, e do professor – um grande nome do contrabaixo convidado para participar do evento.

Diferentes momentos de ‘master classes’ (aulas especiais ministradas por especialistas) durante o encontro internacional de contrabaixistas em Porto Alegre. (fotos: Rodrigo Soares Paim/ Instituto de Artes da UFRGS)

A pressão de tocar para um profissional renomado já valeria a experiência. Além disso, ao fim da audição, o músico ainda ouvia comentários sobre seu desempenho. Os ouvintes também tiravam proveito do debate.

O encontro atraiu cerca de 50 contrabaixistas, entre executantes e ouvintes, algo inédito para o evento, em sua quarta edição. “Mesmo grandes festivais de música reúnem em média 25 a 30 participantes”, diz Ritter. No repertório, concertos de Johann Sebastian Bach (1685-1750), Giovanni Bottesini (1821-1889) e Serge Koussevitzky (1874-1951), entre outros, além de excertos de peças para orquestra.

Ciência

Com caráter pedagógico, cultural e científico, o encontro de contrabaixistas foi organizado por Alexandre Ritter e Walter Schinke pela primeira vez em 1999 para homenagear o uruguaio Milton Romay Masciadri (1930-2009), que se aposentava dos quadros da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre após 30 anos de serviços prestados. Sem periodicidade fixa, o projeto teve outras edições em 2001 e 2011.

A parte científica do evento fica por conta das palestras e mesas-redondas em que os contrabaixistas convidados – todos com vínculos com universidades –, falam de suas linhas de pesquisa. Em uma das conferências deste ano, por exemplo, o norte-americano Greg Hamilton abordou a transição de músicos do violoncelo para o contrabaixo, movimento mais raro do que aparenta ser. Violoncelista e contrabaixista, Hamilton ressaltou a importância, para um músico, de não se prender a um único instrumento.

Quarrington: “Quando estreei o contrabaixo em quintas, foi a primeira vez que me senti afinado em uma orquestra”

Um dos pontos altos foi o debate com o canadense Joel Quarrington sobre a afinação do contrabaixo em quintas (dó, sol, ré, lá). Quarrington é um dos grandes defensores desse tipo de ajuste, similar ao do violino e do violoncelo. Nessa afinação, o limite de notas passa a ser maior em relação ao ajuste tradicional do instrumento, em quartas (mi, lá, ré, sol).

A principal diferença, entretanto, está no modo como a madeira reverbera. “Quando estreei o contrabaixo em quintas, foi a primeira vez que me senti afinado em uma orquestra”, disse Quarrington. Na prática, a migração de um ajuste para o outro é muito difícil. A nova afinação implica mudança de toda a digitação (feita com a mão esquerda no braço do contrabaixo). Em um vídeo disponível na internet, em inglês, o canadense explica as diferenças entre as afinações.

Fim

Na saída do recital de encerramento do IV Encontro Internacional de Contrabaixistas, na noite de 4 de maio, o público agradecia, emocionado, ao organizador do evento por ter trazido Quarrington ao Brasil. Durante a semana, no entanto, o próprio canadense fazia questão de minimizar toda a atenção que recebia. Preferia destacar a qualidade dos alunos brasileiros.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR”

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