“É uma formiga carregando um elefante!”
E a formiga em questão, mesmo se sentindo uma porca de gorda, era eu.

Os elogios contrabaixísticos continuavam sendo extraviados em casa, mas na rua eu era a sílfide do momento.
Com tantas mulheres-frutas, e eu me sentindo o máximo como mulher-contrabaixo.

Como diria um amigo: gosto não se discute, lamenta-se.

“Talvez eu devesse sair mais vezes com o contrabaixo, para recuperar a autoestima”, pensei.
E aí, voltei para casa cheia de planos e mirabolâncias.

Peguei um caderno e resolvi fazer um plano mesmo, daqueles que nunca consegui fazer para estudar contrabaixo (a culpa é dos vizinhos!), e comecei a rabiscar a estratégia da mulher-contrabaixo: segunda-feira de manhã, Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc com vestido amarelo e contrabaixo, 2ª feira à tarde, Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc com vestido floral e o contrabaixo, 3ª feira…
Quando a semana já estava quase completa, descobri que não conseguiria completar a semana de desfiles contrabaixísticos com o meu corpitcho 20 kg acima, porque não teria modelito para fazer o desfile.

E o pânico se apoderou dos meus pensamentos: como emagrecer sem elogios e como ser elogiada sem roupas dignas?

Nesse momento me lembrei de todas as vezes que caí fora das malditas academias por causa daquelas insuportáveis roupas de ginástica que sempre insistiam em dedurar todas as gordurinhas, dobrinhas e pneuzinhos, e todos os diminuitivos bem aumentativos da falta de forma.

Como eu poderia fazer a minha ginástica com o contrabaixo, ganhar elogios para aumentar a estima, mesmo porquíssima da vida, e ainda fazer uma ginástica – carregando o contrabaixo, é claro – sem que ninguém olhasse para mim e para as minhas gordurinhas para me criticar, e sim só para elogiar a autosereia contrabaixista aqui e detonar o trambolhudo do lado?

Estudar em casa, engorda. A gente fica vendo aquele monte de nota que não consegue tocar e começa a dar uma zique-zira, uma impaciência e… pausa para comer.
Aí, vem aquela feitiçaria toda de vassourada dos vizinhos, parentes reclamando, CDs alheios que caem automaticamente sob os meus ouvidos e… pausa para comer.

E a minha solução, minha pobre ginástica com o contrabaixo, ali ao meu lado, fadada ao fracasso antes mesmo de ser instituída como um método sério de perda de peso, que aliaria a ginástica ao elogio, bastando que o foco de atenção fosse desviado para algo mais gordo do que a candidata a arco de contrabaixo…

O que fazer ? Reformar umas roupas? Nem pensar. Não vou gastar dinheiro, ainda mais se vou virar um palito de fósforo anoréxico com a minha infalível ginástica… Usá-las apertadas mesmo? Nem pensar. Olhos anestesiados não devem ser provocados. Repetir os modelitos?
É o jeito, mas assim os elogios vão se cansar de mim…

Ideias, ideias… Já sei! E enquanto pensava, de repente vislumbrei ao longe, bem ao longe a solução: mudar de caminho.
Concluí, que daria uma volta bem maior no quarteirão nos dois últimos dias na semana, duas vezes ao dia, usando os modelitos dos outros dois dias do início da semana, para não correr o risco de encontrar a Dona Maricotinha pelo caminho e… vocês já sabem…
A solução era algo simples como se ao invés de estudar um pequeno trecho orquestral de cinco minutinhos, eu resolvesse estudar a sinfonia toda de 40 minutos de duração.
Pelo menos deve surtir mais efeito, já que vou andar bem mais! – pensei.

O contrabaixo, coitado, já estava cansado só de me ver pensar, mas estava tão aliviado por não me ver tocar, que toparia qualquer negócio, mesmo que fosse desfilar sob o sol, desde que isso significasse uma pausa auditiva para ele e para o meu condomínio de vovós das candongas.

“E aí, contrabaixo, contrabaixo meu, existe alguém mais quase futuramente magra do que eu?”.
“Tá me elogiando tanto, que eu acho que você tá ficando cego por conveniência… O pior cego é aquele que não quer ouvir, sabia?”

O início da semana de exercícios transcorreu dentro do previsto. Religiosamente, eu me aprontava para descer, me odiava a cada passada pelo espelho, pegava o contrabaixo, descia pelo elevador, torcendo para não topar com Dona Marieta e sua gang, e ganhava a rua…

“Que monstro é esse, mamãe?”.
“Minha filha, você deveria tocar flauta!”.
“Não sei como você aguenta carregar um trambolho desses!”.

E a mulher-contrabaixo se achando!…

No último dia da semana de exercícios “contrabaixísticos”, eu já estava com a língua no chão.
Os braços doíam, as pernas estavam tronchas, o humor tinha se extraviado junto com os elogios contrabaixísticos, e eu já nem passava mais em frente ao espelho.
E o contrabaixo ali, todo sorridente, porque os estudos tinham diminuído drasticamente e a paciência para estudar tinha ido para a… deixa prá lá.

E no vestido amarelo repetido, lá desço eu com o contrabaixo, e trombo com a Dona Cremilda no elevador: mau presságio…
– E cadê aquele pum-pum-pum todo?
E o vestido amarelo ali, esperando para dizer o esconderijo do pum-pum-pum todo…
– Nossa, mas você engordou, hein? Ugh! Que cheiro ruim!
– O pum-pum-pum da Duda se vingou, tia!

A porta do elevador se abriu e Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc, mais digna ao nome do que nunca, saiu do elevador p da vida, sob os olhares sufocados de Dona Cremilda, que jamais iria se esquecer do repolho cozido com feijão e ovo do almoço customizado de Duda Pum-Pum-Pum amarela.

E na rua, hoje ainda era o dia da sinfonia…

De cara amarrada, no meio daquele caminho que parecia não ter fim, ela ainda conseguiu ouvir o cochicho de dois homens:
– Nossa, um elefante amarelo carregando um elefante marrom!…
– Ah, pra tocar isso aí, essa mulher deve ser é sapata! Olha só o barrigão dela! E de vestido amarelo? Sei não…

Um elefante incomoda muita gente, mas dois elefantes agora só incomodavam a Duda.

Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc deu meia volta, voltou pra casa, trocou de roupa e resolveu esquecer a maldita ginástica com o contrabaixo para sempre.
Voltou a estudar contrabaixo por mais tempo. Os vizinhos que se lixassem! A culpa era toda da Dona Cremilda! Bem-feito!…
Estudar contrabaixo já é uma ginástica e carregar contrabaixo para estudar também… Sedentarismo?
Ah, isso é intriga de médico que fica sentado o dia inteiro atendendo paciente e não pode fazer música!
Sedentarismo é levantamento de estetoscópio e caneta!…

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Segredos Contrabaixísticos de Duda Pum-Pum-Pum Ronc-Ronc by Voila Marques is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas License.

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